No capítulo quarto da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris laetitia somos convidados a dirigir o olhar para o amor como dimensão central do matrimónio e da família. As palavras com que se inicia remetem-nos imediatamente para essa realidade:
“Tudo o que foi dito não é suficiente para exprimir o Evangelho do matrimónio e da família, se não nos detivermos particularmente a falar do amor. Com efeito, não poderemos encorajar um caminho de fidelidade e doação recíproca, se não estimularmos o crescimento, a consolidação e o aprofundamento do amor conjugal e familiar. De facto, a graça do sacramento do matrimónio destina-se, antes de mais nada, «a aperfeiçoar o amor dos cônjuges»” (nº 89)
Não há mesmo lugar para dúvidas o amor é aquela realidade fundamental sem a qual tudo o que dissermos acerca do matrimónio e da família, por mais importante que seja, acaba sempre por ficar curto. É por isso que, ao longo deste capítulo, o papa Francisco reflete sobre o amor, deixando-se guiar pelo chamado hino à caridade escrito por S. Paulo (1Cor 13, 2-3) e tendo em vista uma aplicação direta do que aí é dito à existência concreta de cada família.
Não vou aqui percorrer esse caminho, ainda que deixe um forte convite a uma leitura atenta e reflexiva desses números (90-119) por parte de cada membro da família de uma maneira individual, ou mesmo em conjunto.
Quero, no entanto, destacar dois elementos que, na continuação dessa mesma reflexão, o Papa faz questão de referir. O primeiro sublinha o valor precioso que o matrimónio é “porque, quando um homem e uma mulher celebram o sacramento do matrimónio, Deus, por assim dizer, ‘espelha-Se’ neles, imprime neles as suas características e o carácter indelével do seu amor. O matrimónio é o ícone do amor de Deus por nós.” (nº 121).E continua, afirmando que isso deve ter para os esposos cristãos consequências concretas na sua vida do dia a dia, uma vez que “em virtude do sacramento, os esposos são investidos numa autêntica missão, para que possam tornar visível, a partir das realidades simples e ordinárias, o amor com que Cristo ama a sua Igreja, continuando a dar a vida por ela.”
A radicalidade e beleza desta afirmação não é, contudo, apresentada como um peso excessivo sobre o ombro dos esposos capaz de os paralisar, mas antes como convite a um caminho dinâmico e progressivo. Neste contexto o papa Francisco faz uma das afirmações que me parecem mais importantes para ajudar a compreender e viver a realidade da bondade e da beleza do matrimónio:
“Todavia convém não confundir planos diferentes: não se deve atirar para cima de duas pessoas limitadas o peso tremendo de ter que reproduzir perfeitamente a união que existe entre Cristo e a sua Igreja, porque o matrimónio como sinal implica um processo dinâmico, que avança gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus.” (nº 122)
O segundo elemento, enuncia a totalidade do amor, sem ter medo de sublinhar a importância do amor apaixonado e da sexualidade. A este propósito o Papa começa com uma interrogação que me parece muito significativa, por nos ajudar a entender logo em que sentido vai a resposta: Deve haver qualquer motivo para um amor, sem prazer nem paixão, se revelar insuficiente para simbolizar a união do coração humano com Deus? (cf. nº 142). É neste contexto que surgem algumas afirmações claras e corajosas, que ajudam a olhar para a sexualidade, e mesmo para o erotismo, de uma maneira muito positiva.
Assim, diz-se que “o próprio Deus criou a sexualidade, que é um presente maravilhoso para as suas criaturas” e, por isso mesmo, ela “não é um recurso para compensar ou entreter, mas trata-se de uma linguagem interpessoal onde o outro é tomado a sério, com o seu valor sagrado e inviolável.” (nº 150). Nesta perspetiva “o erotismo aparece como uma manifestação especificamente humana da sexualidade” (nº 150), de tal modo que “não podemos, de maneira alguma, entender a dimensão erótica do amor como um mal permitido ou como um peso tolerável para o bem da família, mas como um dom que embeleza o encontro dos esposos.” (nº 152).
É também a este nível, do amor total, quotidiano e apaixonado, que o anúncio cristão sobre a família e o matrimónio deve ser verdadeiramente uma boa notícia.
Texto: Juan Ambrosio – Jornal da Família – edição abril 2017