“O amor sempre dá vida. Por isso, o amor conjugal não se esgota no interior do próprio casal.” É com estas palavras que começa o quinto capítulo da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris laetitia, propondo-nos um itinerário que nos leva a refletir sobre algumas das experiências mais fundamentais e importantes da condição humana. Na leitura deste capítulo, juntamente com o quarto, estamos no coração da Exortação. Não nos podemos esquecer que o grande objetivo deste texto é ajudar-nos a refletir sobre o amor na família. É a experiência do amor que mais facilmente nos ajudará a encontrar-nos com o Mistério de Deus, pois Deus é amor, tal como é a partir desta realidade que se estabelecem as relações humanas, se edifica a sociedade e se constrói o futuro. Certamente que muitas outras coisas são necessárias, mas se faltar o amor, falta o único cimento capaz de unir e dar verdadeiro sentido a tudo o resto.
Estou, aliás, cada vez mais convencido de que a experiência do amor e da família têm um lugar privilegiado no pensamento e na ação do papa Francisco. Se lermos com atenção os principais textos por ele escritos até ao momento, julgo que é possível perceber um claro convite não só à renovação da Igreja, como à construção de uma casa comum que seja capaz de acolher todos e onde não haja espaço nem para ‘descartados’, nem para ‘sobrantes’. Nesta missão a que somos convidados, e que se concretiza nos dois polos anteriormente referidos, o amor destaca-se com evidência. E esse amor aprende-se essencialmente na família, razão pela qual ela é fundamental na nossa experiência humana e cristã. Neste sentido, parece-me evidente poder sublinhar o lugar absolutamente nuclear que a família tem, também, neste pontificado, e que pode bem ser percebido na carta escrita por Francisco para o IX encontro Mundial das Famílias, a realizar em Dublin em agosto do próximo ano de 2018:
“Seria possível questionar-se: o Evangelho continua a ser alegria para o mundo? E mais ainda: a família continua a ser uma boa notícia para o mundo de hoje?
Estou convicto que sim! E este «sim» encontra-se firmemente fundado no desígnio de Deus. O amor de Deus é o seu «sim» à criação inteira e ao seu âmago, que é o homem. Trata-se do «sim» de Deus à união entre o homem e a mulher, em abertura e ao serviço da vida em todas as suas fases; é o «sim» e o compromisso de Deus a favor de uma humanidade muitas vezes ferida, maltratada e dominada pela falta de amor. Por conseguinte, a família é o «sim» do Deus Amor. Somente a partir do amor a família pode manifestar, propagar e regenerar o amor de Deus no mundo. Sem o amor não podemos viver como filhos de Deus, nem como cônjuges, pais e irmãos.”
Esta experiência de se ser cônjuge, pai filho e irmão é precisamente destacada na Exortação, ao longo deste capítulo quinto, alargando-se a círculos cada vez maiores, capazes de provocar aquelas dinâmicas humanas e sociais que são indispensáveis para a construção do futuro.
“Com efeito, além do círculo pequeno formado pelos cônjuges e seus filhos, temos a família alargada, que não pode ser ignorada. Com efeito, «o amor entre o homem e a mulher no matrimónio e, de forma derivada e ampla, o amor entre os membros da mesma família – entre pais e filhos, entre irmãos e irmãs, entre parentes e familiares – é animado e impelido por um dinamismo interior e incessante, que leva a família a uma comunhão sempre mais profunda e intensa, fundamento e alma da comunidade conjugal e familiar». Aí se integram também os amigos e as famílias amigas, e mesmo as comunidades de famílias que se apoiam mutuamente nas suas dificuldades, no seu compromisso social e na fé.” (nº 196)
Das dinâmicas atrás referidas gostaria de destacar uma, por me parecer absolutamente essencial no momento histórico que estamos a viver. Refiro-me à experiência da fraternidade que vem descrita na Exortação com as seguintes palavras:
“Em família, entre irmãos, aprendemos a convivência humana (…). Talvez nem sempre estejamos conscientes disto, mas é precisamente a família que introduz a fraternidade no mundo. A partir desta primeira experiência de fraternidade, alimentada pelos afetos e pela educação familiar, o estilo da fraternidade irradia-se como uma promessa sobre a sociedade inteira.” (nº 194)
Não são, de facto, precisas muitas mais palavras para se perceber como na família reside a promessa de um futuro diferente.
Texto: Juan Ambrosio/ Jornal da Família – maio 2017