Acompanhar e discernir para integrar

Apesar do papa Francisco se referir aos capítulos quarto e quinto da Exortação como sendo os centrais, por se falar neles do amor (cf. nº6), a verdade é que o capítulo oitavo, para o qual convido a dirigir agora a nossa atenção, tem sido o mais destacado e falado nos meios de comunicação social. Uma leitura, mesmo rápida, permite-nos perceber com relativa facilidade a razão desta atenção, uma vez que nele se reflete sobre as chamadas situações irregulares no contexto do matrimónio e da família.

A este nível, têm-se ouvido vozes a dizer coisas diametralmente opostas. Muitas delas, vindo do interior da própria Igreja, têm manifestado dúvidas (digamos assim para permanecer num registo elegante) acerca do conteúdo deste capítulo: vai longe de mais, dizem uns; é ambíguo, proclamam outros, contem erros, chegam mesmo a afirmar ainda outros. Não vou entrar em diálogo direto com essas posições. Opto por outro caminho, destacando algumas passagens do capítulo que me parecem ser muito claras acerca daquilo que o Papa quer propor e partilhar.

Começo logo pelo número com que se inicia o mesmo.

“Os Padres sinodais afirmaram que, embora a Igreja reconheça que toda a rutura do vínculo matrimonial «é contra a vontade de Deus, está consciente também da fragilidade de muitos dos seus filhos». Iluminada pelo olhar de Cristo, a Igreja «dirige-se com amor àqueles que participam na sua vida de modo incompleto, reconhecendo que a graça de Deus também atua nas suas vidas, dando-lhes a coragem para fazer o bem, cuidar com amor um do outro e estar ao serviço da comunidade onde vivem e trabalham». Aliás esta atitude vê-se corroborada no contexto de um Ano Jubilar dedicado à misericórdia. Embora não cesse jamais de propor a perfeição e convidar a uma resposta mais plena a Deus, «a Igreja deve acompanhar, com atenção e solicitude, os seus filhos mais frágeis, marcados pelo amor ferido e extraviado, dando-lhes de novo confiança e esperança, como a luz do farol dum porto ou duma tocha acesa no meio do povo para iluminar aqueles que perderam a rota ou estão no meio da tempestade». Não esqueçamos que, muitas vezes, o trabalho da Igreja é semelhante ao de um hospital de campanha.” (nº 291)

Apesar do texto ser suficientemente evidente, não sendo, por isso, necessário muitos comentários, não quero deixar de destacar a referência ao contexto do ano Jubilar da Misericórdia. É nesse contexto que se diz que o trabalho da Igreja é, muitas vezes, semelhante ao de um hospital de campanha, que, como todos sabemos, está situado no terreno onde se torna mais necessário o cuidado e o apoio. Isto vem, aliás, na linha do próprio título do capítulo, no qual se indica a dinâmica para a qual se está a convidar- «acompanhar, discernir e integrar a fragilidade» – e que, julgo, pode muito bem ser interpretado assim: acompanhar as pessoas nas suas situações concretas, com elas proceder ao discernimento, tendo como meta e finalidade a integração. Não se está a dizer que vale tudo, nem que tudo é igual, mas aponta-se com clareza a direção do caminho a encetar.

E, para que não fiquem dúvidas, alguns números mais à frente, e no contexto explícito do discernimento das situações chamadas irregulares, o Papa diz o seguinte:

“O Sínodo referiu-se a diferentes situações de fragilidade ou imperfeição. A este respeito, quero lembrar aqui uma coisa que pretendi propor, com clareza, a toda a Igreja para não nos equivocarmos no caminho: «Duas lógicas percorrem toda a história da Igreja: marginalizar e reintegrar. (…) O caminho da Igreja, desde o Concílio de Jerusalém em diante, é sempre o de Jesus: o caminho da misericórdia e da integração. (…) O caminho da Igreja é o de não condenar eternamente ninguém; derramar a misericórdia de Deus sobre todas as pessoas que a pedem com coração sincero (…). Porque a caridade verdadeira é sempre imerecida, incondicional e gratuita». Por isso, «temos de evitar juízos que não tenham em conta a complexidade das diversas situações e é necessário estar atento ao modo em que as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição».” (nº 296)

Não vejo aqui nenhuma ambiguidade, pelo contrário o que encontro é a afirmação inequívoca de que o caminho da Igreja não pode ser outro diferente do que o caminho percorrido pelo próprio Jesus, ou seja, o caminho da misericórdia e da integração.

As consequências que daqui devem decorrer são muito interpelantes, pelo que voltarei a elas no próximo texto.

 Texto: Juan Ambrosio – Jornal da Família – Edição agosto/setembro 2017
           juanamb@ft.lisboa.ucp.pt

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