Com a fórmula universalmente reconhecida por “geringonça” a esquerda política está no poder. Esta esquerda envolve: o partido socialista que enfrentou a luta pela tomada de poder do socialismo revolucionário no PREC, o partido comunista que pretendeu implantar o socialismo de Estado e mantém a veneração pelo extinto modelo soviético e apoia os sucedâneos atuais na Coreia do Norte e Venezuela e o Bloco de Esquerda, mistura dos herdeiros dos militantes da luta mais ou menos violenta contra a “democracia burguesa” e o “capitalismo” em nome da “democracia popular” e igualitária, do antipoder, da indiferenciação social e transfiguração dos valores
A fórmula encontrada viabilizou o governo e seus programas na Assembleia, negociando nesse âmbito as soluções governamentais a troco de alguma contenção prática das forças que controlam.
O sector da educação foi dos que mais precocemente manifestou intenções de “reverter” a política seguida. Os anteriores Ministros da Educação socialistas ou sociais-democratas – acentue-se – tinham criado um clima de maior exigência na avaliação do trabalho de professores e alunos com reflexo na promoção na carreira daqueles e no controle da aprendizagem destes. Sobreviveram à contestação sindical dos processos de avaliação de professores e alunos e de admissão e vinculação definitiva de novos professores. Os resultados começaram a aparecer comprovados nos processos de avaliação internacionalmente tutelados. A OCDE acaba de publicar o relatório Education at a Glance 2017 com dados sobre a educação. Reconhece progressos na Educação em Portugal na formação superior (tertiary graduates) em ciência, tecnologia, engenharia e matemática, com 28% dos graduados, superior à média OCDE (23%), com correspondência no sector feminino também superior aos scores internacionais.
A evolução demográfica provocou a diminuição da população em todos os ramos de ensino refletida na extinção de escolas em algumas áreas. O alargamento da escolaridade obrigatória tinha provocado numa primeira fase uma escapatória para o emprego dos graduados excedentários nas respetivas áreas de qualificação. A tradicional apetência por profissões de prestígio social e baixa especialização científica e tecnológica e a criação de cursos orientados exclusivamente para o ensino aumentaram o número de candidatos a professores. Atingiu-se a saturação nas escolas do Estado e o aumento da concorrência no acesso e progressão na carreira. A harmonização de interesses e aspirações de profissionais em exercício com diferente qualificação académica, especialização pedagógica e tempo de serviço com o ingresso massivo dos novos profissionais revestidos das qualificações técnico-pedagógicas que ameaçavam passar-lhe à frente na carreira criou conflitos que concorreram para o aumento do poder dos sindicatos de professores e pressão das clientelas nos partidos de esquerda de que os professores menos qualificados faziam parte.
Neste quadro o atual Ministro da Educação, a equipa que dirige, o Governo a que pertence e o círculo de interesses que os apoiam retomam velhas questões do nosso ensino numa perspetiva ideológica “fraturante” estatizante e laboral, subalternizando o papel, os direitos e a representação e participação dos pais, dos alunos, das instituições e comunidades locais.
O quadro legal da atuação do Governo está demarcado pela Constituição da República que no artº 36º afirma categoricamente: “Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”. No nº 1 do artº 74 reconhece o direito universal dos cidadãos ao ensino: “Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar”. No nº 2 a), precisa que «na realização da política de ensino, incumbe ao Estado “a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito”
O Decreto-Lei nº 35/90 concretiza o âmbito do preceito constitucional de “ensino…gratuito”- “aplica-se aos alunos que frequentam o ensino não superior em estabelecimentos de ensino oficial, particular ou cooperativo» – e explica o que se entende por “ensino gratuito”: A gratuitidade da escolaridade obrigatória consiste “na isenção total de propinas, taxas e emolumentos relacionados com a matrícula, a frequência escolar e a certificação de aproveitamento». Conclui Mário Pinto (Observador 5/5/2016): “A gratuitidade é um direito constitucional conferido a pessoas, não a escolas: a todos os alunos, quer escolham as escolas do Estado quer as escolas privadas”. Corrobora Henrique Monteiro (Expresso 3/5/2 de 2016): “nada na Constituição impõe que as escolas sejam do Estado. Apenas impõe certas regras de gratuitidade e de acesso, ressalvando que parte desse dever está atribuído aos pais.”
É à luz da letra e do entendimento dos preceitos constitucionais que se deve examinar o conflito Ministério da Educação e instituições do ensino particular. O que está em causa é a liberdade de escolha do ensino que os pais pretendem para os seus filhos que o Estado pela Constituição lhes confere e de facto o Ministro da Educação numa opção ideológica lhes impõe. O que está em causa é a aplicação do princípio de liberdade de escolha de ensino reconhecida constitucionalmente e a implantação prática da unicidade de ensino estatal pela asfixia da alternativa do ensino particular imposta pelo Ministério contra a orientação preferida nas escolhas da população.
O relatório da OCDE referido acima chama a atenção para um problema persistente desde o alargamento da escolaridade básica: em Portugal só metade dos alunos que entram no secundário conseguem completá-lo nos três anos (OCDE:68%) e 35% abandonam a escola sem o completar (OCDE:21%). A comparação dos resultados dos cursos profissionais com os dos cursos gerais (científico-humanísticos) mostra que a taxa de sucesso nos cursos profissionais é superior (64%) aos dos geral (59%). Começa a ser evidente para o Ministério que a subalternização que chegou à neutralização do ensino técnico-profissional foi um erro. Pelo que apreciámos, foi uma opção motivada por preconceitos ideológicos igualitários que ignoram que as diferenças à entrada do sistema escolar devem ser superadas por caminhos diferentes para garantirem à saída igualdade de oportunidades. É necessário que o ensino técnico profissional supere a desvalorização do seu estatuto para que de facto seja uma alternativa de valor idêntico e não uma segunda escolha degradante. Para a concretizar com sucesso é mais importante a participação efetiva das organizações representativas dos pais, dos alunos, das empresas, das instituições e comunidades locais mais atentas aos seus interesses efetivos do que a dos sindicatos de professores que sempre tiveram a tendência de identificar os problemas do ensino com as suas questões laborais e pouco têm contribuído quer para a valorização profissional dos professores quer para a adaptação do ensino às comunidades que serve.
Texto: Octávio Morgadinho – Jornal da Família – edição outubro 2017