Nasceu na Suíça mas foi em Lamego que cresceu no seio de uma família católica. Recorda o rezar o terço à lareira com os avós, o acordar “obrigatório “aos domingos para ir à missa e durante as novenas da festa da Senhora dos Remédios o dia começava às 5h da manhã. Apesar desta vivência cristã, Angélica Galvão considera que a sua “Fé era vazia”. “Para mim tudo era um dado adquirido, não questionava nada, fazia tudo como mandava a Lei”, conta. Angélica vai mais longe ao ponto de dizer que “se calhar não tinha fé, mas uma mera crença transmitida pelos” antecessores. Era à noite que conversava com Deus. “Tinha a ideia de que naquele momento toda a gente dormia e assim Ele ouvia-me só a mim com toda a atenção”.
A vocação surge quando se começa a questionar, quando começa a fazer a experiência de Deus. Pegando nas palavras de Bento XVI, para Angélica, a vocação surge a partir do momento em que há «o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte». A vocação para Angélica surge quando “no meio de tantas interrogações ‘A’ pergunta: – Queres oferecer-te a Deus? responde à pergunta: Para quem sou?”
Nos últimos cinco anos Angélica fez formação no ISCF – Instituto Secular das Cooperadoras da Família e no passado dia 15 de agosto fez a 1ª Oblação. A primeira etapa de uma entrega a Deus no Instituto. Diz que Deus tinha preparado para ela uma entrega possível no meio do mundo, da sociedade, da igreja, das famílias, na família. “Que felicidade! Sou consagrada, não uso hábito e continuo a usar as sapatilhas que confortavelmente gosto de calçar”, afirma.
“Optei por uma consagração secular, não por capricho, mas porque é no meio do mundo que me sinto chamada a estar e a realizar a missão que Deus sonhou para mim, com a perfeita consciência de que todos os carismas tornam a Igreja belíssima e que muitos deles muitas vezes são o meu suporte através da oração”.
E foi num meio que considera “não-cristão” e com muitas “contracorrentes” que Angélica fez a sua descoberta vocacional. Angélica veio para Lisboa estudar Matemática Aplicada à Economia e à Gestão, no ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão. “Um meio onde a competitividade e a luta por ser o melhor era natural” e os “valores da caridade e da cooperação não estavam assim tão visíveis”, conta.
Fez tudo o que uma estudante universitária minimamente extrovertida faz: sair à noite, beber uns copos com uns amigos, ir ao cinema e a concertos. Só o grupo mais chegado sabia da sua vocação e desempenharam um importante papel no discernimento da sua vocação mas “mesmo esses nunca entenderão bem esta minha opção de vida pelos votos que professei – Pobreza, Castidade e Obediência”, afirma Angélica. “Para eles é um pouco surreal alguém abdicar de viver com grandes luxos quando o salário assim o permitiria ou ainda a questão de abdicar de ter um marido e filhos”. “No outro dia”, conta Angélica, “uma senhora que me conhecia, e soube desta minha decisão, a primeira reação foi de espanto e quase em simultâneo perguntou: ‘então mas o curso?’, ‘então mas e os filhos?’, ‘então mas e a casa e o carro?’ Então mas!… “.
Para Angélica “as pessoas vivem ainda muito voltadas para o tangível, para o material”. “ Parece que não ter filhos e não ter apropriação de bens é quase como não existir. Eu posso ser mãe de outra forma, eu posso não ter nada e ter Tudo! Seja como for é bom! É muito bom! E não sinto que ter abdicado só de mais um homem é assim tão descabido da realidade, trata-se de ser fiel e coerente com uma opção que eu fiz em liberdade. Se eu casasse também teria de deixar todos os outros homens e fazer alguns sacrifícios para ser fiel ao compromisso a que me propunha”.
Também a família tem dificuldade em compreender a opção de Angélica. No dia da 1ª Oblação apenas um primo participou na celebração. Angélica entende a posição da família. Eles tomam esta decisão como um “abandonar da família”. Mas esta situação é apenas mais um teste à sua vocação. “É só Deus a (pro)vocar! ‘Porque é que eu estou aqui?’ ‘Para quem é que eu sou?’ ‘Não tomaste a decisão livremente?’”.Angélica vive triste com a situação,não por a família não entender a sua decisão, mas por a família não participar na sua felicidade. “Com o tempo espero que a sua ideia possa ser convertida e que percebam que eu não abandonei, mas que desta forma estou mais unida a eles, quer pela inerência do próprio carisma, mas especialmente pela oração”.
Angélica afirma que Deus continua a dizer-lhe «acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, eu nunca te esqueceria» (Is 49)”. Angélica tem esperança de que um dia eles possam aceitar a sua decisão “porque o amor é sempre mais forte”. Talvez através desta situação “Deus me esteja a despertar para esta realidade nas famílias e queira lembrar-me do quão importante é ajudar os pais a crescerem na Fé e a perceberem que mais importante que gerar é fazer crescer para se tomarem decisões grandes, livres e comprometedoras. Só assim teremos uma grande família de famílias, pautada pela coerência, integridade e justiça. O Fundador do ISCF dizia muitas vezes: salvemos a família e salvaremos o mundo!”.
Para já, para além de toda a missão que desenvolve com as famílias e jovens na Paróquia da Graça e na Pastoral JuVocacional do ISCF, Angélica trabalha no Gabinete de Desenvolvimento Estratégico da Escola da Fundação Monsenhor Alves Brás onde pode pôr em prática alguns conhecimentos da sua licenciatura. “Embora não pareça, a minha formação é bem necessária na Igreja e no Instituto, a ver vamos! A fazer contas ou não, sei que estou feliz, porque estou a fazer o que Ele quer”.
Quanto ao futuro, Angélica cita Daniel Faria: «Seja o que for / será bom / é tudo.»
Pode ler aqui a entrevista na íntegra.
Texto: IM/Jornal da Família – edição novembro 2017