Partilhar a viagem

(Foto: Reuters) Um despertar de consciências para o acolhimento aos migrantes e refugiados. A reflexão de Juan Ambrosio.

Apesar de estarmos já a entrar naqueles meses em que, tradicionalmente, um número significativo de pessoas goza as suas férias realizando viagens que proporcionam a saída dos locais habituais e a mudança dos ritmos diários, o título destas linhas não se refere nem a essas viagens, nem à partilha das mesmas.

A viagem a que me quero referir é outra e, no fundo, tem a ver com a viagem que estamos a fazer enquanto humanidade. Explico-me, para que fique claro o que me parece ser o momento absolutamente decisivo que estamos a viver. Para além das crises que têm afetado muito a vida de muitas pessoas em vários países europeus, a verdade é que, de um modo global, na Europa, temos vivido tempos de uma certa tranquilidade e progresso. Apesar de todas as imperfeições e do muito que se pode e deve melhorar, a maneira como os europeus se organizam e vivem tem permitido um avanço global na qualidade de vida. Por isso mesmo a interrogação e a perplexidade não podem deixar de surgir perante o que estamos a ver neste momento, quando o mar Mediterrâneo continua a ser o fim da jornada para muitos, em vez de ser, como podia, como devia, o início de uma nova etapa. Não podemos deixar de ter vergonha quando um barco cheio de pessoas, que fogem da morte, tem uma enorme dificuldade em encontrar um porto de abrigo. Que Europa estamos a querer construir? Que humanidade queremos ser? Estas perguntas impõem-se e soam cada vez mais alto.

Não podemos querer resolver com ingenuidade os problemas complexos que estas ‘viagens’ – é também a elas que me quero referir – comportam, mas isso não pode servir de desculpa para fecharmos a porta. A atitude que tivermos em relação aos desafios que, neste contexto, se levantam, marcará, e disso não tenho a menor dúvida, o rosto da humanidade que estamos a construir. 

Apesar das dificuldades, é preciso dizer com toda a clareza, como disse recentemente o papa Francisco na mensagem escrita por motivo do Colóquio da Santa Sé com o México sobra a Migração Internacional (14/06/2018), que é necessária uma mudança de mentalidade:

“No momento atual, quando a Comunidade Internacional está comprometida em dois processos que conduzirão à adoção de dois pactos globais, um sobre refugiados e outro sobre a migração segura, ordenada e regular, gostaria de animá-los na vossa tarefa e no vosso esforço para que a responsabilidade da gestão global e partilhada da migração internacional encontre o seu ponto de força nos valores da justiça, da solidariedade e da compaixão. Para isso é necessária uma mudança de mentalidade: passar de considerar o outro como uma ameaça à nossa comodidade a valorizá-lo como alguém que com a sua experiência de vida e os seus valores poder partilhar muito e contribuir para a riqueza da nossa sociedade.”

E nesta linha, com toda a frontalidade, continua:

“[…] na questão da migração não estão em jogo só «números», mas «pessoas», com a sua história, a sua cultura, os seus sentimentos, os seus desejos… Estas pessoas, que são nossos irmãos e irmãs, necessitam uma «proteção contínua», independentemente do status migratório que tenham. Os seus direitos fundamentais e a sua dignidade devem ser protegidos e defendidos. […]. Todos eles esperam que tenhamos a coragem de destruir o muro dessa «cumplicidade cómoda e muda» que agrava a sua situação de desamparo, e ponhamos neles a nossa atenção, a nossa compaixão e dedicação.”

É para esta mudança de mentalidade que a o papa Francisco lançou no passado dia 27 de setembro, a campanha internacional da Cáritas – Partilhar a Viagem. A decorrer nos próximos dois anos, esta campanha quer ser um despertar de consciências para o estreitar das relações entre os migrantes, os refugiados e as comunidades locais.

É também nesta urgente necessidade de mudar as mentalidades que a família é chamada a desempenhar uma missão primordial, educando as novas gerações na consciência de que somos uma só família humana e ajudando-as a perceber e a assumir a importância do acolhimento e do encontro na construção do nosso futuro comum.

Juan Ambrosio – Professor da Universidade Católica Portuguesa, in Jornal da Família – edição julho 2018

Partilhar:

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn
Relacionado

Outras Notícias

Meu ‘querido’ telemóvel

O arranque do ano letivo voltou a lançar a preocupação sobre o uso do telemóvel nas escolas. O Governo recomendou a sua proibição no 1.º e 2.º ciclos. Para Jorge Cotovio o telemóvel veio para ficar e o “essencial será os pais educarem os filhos para a utilização racional e equilibrada do telemóvel”.

Ler Mais >>

Aspetos Gerais da Saúde em Portugal

João M. Videira Amaral é médico-pediatra e professor catedrático jubilado da Faculdade de Ciências Médicas da Nova Medical School, da Universidade Nova de Lisboa. É o mais recente colaborador do Jornal da Família e ao longo das próximas edições vai escrever sobre alguns dos aspetos da Saúde em Portugal na rubrica intitulada “Crónicas da Saúde”.

Ler Mais >>

Loreto – A vida quotidiana da Sagrada Família

O Santuário da Santa Casa de Loreto, na região de Marche, em Itália, é o local onde, segundo a tradição, o Anjo anunciou a Maria a maternidade divina e onde viveu a Sagrada Família de Nazaré. A história é contada por Cristiano Cirillo em mais uma rubrica sobre a beleza da espiritualidade em viagem.

Ler Mais >>

Fé católica e saúde mental

Como pode a Igreja dar o seu contributo para a saúde mental. O tema é trazido a reflexão por Murillo Missaci no contexto da sinodalidade que aposta numa Igreja que caminha com todos.

Ler Mais >>

O elogia da leitura

Há vida para além dos ecrãs. Devem ser usados com “conta, peso e medida”, sobretudo pelas crianças onde o brincar e a leitura devem ter o seu espaço. A reflexão de Furtado Fernandes.

Ler Mais >>