As molas da Margarida

“Para sermos felizes não precisamos de muita coisa, nem sequer de coisas dispendiosas”. Saiba porquê no artigo que Jorge Cotovio escreveu para a edição agosto/setembro do Jornal da Família.

Não tenho a mínima dúvida: para sermos felizes não precisamos de muita coisa, nem sequer de coisas dispendiosas. Aliás, o nosso muito próximo Francisco (de Assis), na esteira do seu Mestre, até nos provou que não precisamos de mais nada além do Amor de Deus.
 

Também para uma criança crescer feliz, não precisa de muitas coisas, de muitos brinquedos, nem de brinquedos caros. Precisa somente de muito amor, sobretudo dos pais.
 

Apresento-vos a Margarida, entretida com um dos seus brinquedos favoritos: as molas de prender a roupa. Como fica feliz a mexer nelas, a espalhá-las e depois a colocá-las no cesto! Como fica feliz depois a virar o cesto e a pô-lo na cabeça!
 

Quando estou com a Margarida, procuro potenciar esta brincadeira. Prendo molas a cadeiras, a móveis, a cortinados, à minha roupa e à roupa dela, ao meu cabelo; e como a Margarida fica feliz a retirá-las logo a seguir (com maior ou menor dificuldade)! Depois transformo a mola num avião que aterra na sua cabecita, ou vai de encontro ao seu nariz; ou transformo a mola num “piu-piu” que voa. E depois “aterro” e faço “construções artísticas” com as molas umas presas às outras. Como a Margarida fica feliz a “destruir” essas construções. (Qualquer dia vai sentir-se feliz a fazer essas construções com o avô; e qualquer dia, mais à frente, não vai ligar absolutamente nada às molas; e depois, ainda mais à frente, “quando for grande”, até se vai saturar das molas quando as utilizar para prender na corda as fraldas (sim, porque daqui a 30 anos voltamos às fraldas de pano…), pijamas, camisas, cuecas, lenços e lençóis – “é a vida…”).
 

Voltemos às molas. O avô da Margarida, quando era mais ou menos pequeno, deliciava-se a brincar no velho parapeito da janela com molas a fazerem de autocarros. Não eram molas de plástico amarelas e em bom estado; eram de madeira e já muito rodadas. Mas ajudavam-no a crescer feliz. É claro que ele ansiava os brinquedos “de luxo” que o Pedro tinha em casa, sobretudo os autocarros de metal. Mas não os tinha e habituou-se a viver com o que havia à mão, e a inventar. Que bom lhe fez “ter pouco”! 
 

Voltemos à Margarida. Juro-vos que o seu maior brinquedo, mesmo superior às molas, são a mãe e o pai. Mas também os avós, os tios. E os restantes familiares. E as educadoras e os amiguitos da creche. E os amigos dos pais. Os melhores brinquedos da Margarida são, sem dúvida, as pessoas. E as pessoas são “caras” – porque “queridas” – mas não são caras, porque são oferecidas… 
 

Quantas vezes ajudamos nós a inundar de brinquedos o quarto de uma criança, e perdemos a paciência ao fim de 5 minutos de brincadeira com ela? Quantas vezes o brinquedo que damos (às vezes muito sofisticado) não é para que a criança esteja entretida e nos deixe em paz?
 

Voltemos à Margarida e à mola. Que cada um de nós seja realmente uma “mola” estimuladora para cada criança – uma mola que a projete para novos voos, sempre surpreendentes, porque, afinal de contas, cada um de nós é uma surpresa aos olhos de quem nos ama…

Jorge Cotovio
jfcotovio@gmail.com

Artigo da edição agosto/setembro do Jornal da Família

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