Estamos permanentemente a ser bombardeadospor notícias que nos caem de todo o lado e nos entram pelo telemóvel, pelo computador, pelo tablet, além de nos entrarem pelos poucos jornais e rádios e pelos muitos canais de televisão. Tantas são as notícias que até já nos esquecemos do diploma que foi publicado em pleno mês de agosto, quando metade do país estava de férias e os incêndios ocupavam o tempo de antena das televisões. O diploma queria sair discretamente, mas a falta de fogos gigantes e de notícias bombásticas fê-lo tornar mais exposto. Mas com tanta gente a apanhar banhos de sol e a dormir a sesta, a reação da sociedade civil foi envergonhada e durou pouco tempo.
Estou, naturalmente, a falar do Despacho n.º 7247/ 2019, de 16 de agosto, que “estabelece o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa”.
Cumprindo literalmente a lei, um rapaz que comprovadamente queira ser “rapariga”, pode mudar de nome, pode ir às instalações sanitárias das raparigas e nas atividades diferenciadas por sexo pode escolher as atividades das raparigas. E vice-versa.
É claro que para resolver o problema de pouco mais de 200 (duzentos) alunos do país nestas condições, nem era necessária legislação nem obras nas escolas. Bastava o bom senso dos diretores para, consoante o caso, encontrarem soluções, no respeito integral pelas opções de cada um (e é o que eles têm feito até agora). Mas como o objetivo é outro, toca de legislar para ficar a ideia registada e – quem sabe? – para estimular jovens a mudar de sexo…
O que se pretende, pois, a pretexto de uma realidade societária extremamente minoritária (e que merece, naturalmente, todo o respeito)? Simplesmente deitar abaixo uma cultura secular da sociedade, assente na estrutura familiar que decorre da natureza humana – pai, mãe, filhos, avós, etc., fruto do casamento entre um homem e uma mulher – sustentada pelo pensamento judaico-cristão que sempre a defendeu e promoveu.
Aos poucos, a “ideologia do género” (que afirma que somos homens ou mulheres devido ao contexto cultural em que nascemos e crescemos e não por termos nascido biologicamente “homens” e “mulheres”) vai-se impondo no nosso dia-a-dia, minando a instituição familiar, baralhando as crianças, adolescentes e jovens (ainda há pouco tempo ouvi uma rapariga de 13 anos a dizer que ia ter com “a minha progenitora”…) e até os adultos. Esta ideologia impõe-se de tal forma que já temos escolas a evitar celebrar o “Dia do pai” ou o “Dia da mãe”, para não traumatizar e estigmatizar os raríssimos alunos que têm dois pais ou duas mães…
A este propósito, vale a pena ler a Carta Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa, de 14 de novembro de 2013, onde os nossos bispos, de forma claríssima, explicam todos os contornos da ideologia do género, totalmente (ou “propositadamente”) contrária aos ensinamentos da Igreja.
Sejamos inteligentes: por detrás da ideologia do género está um ataque frontal à Igreja e às suas normas morais, para a desvalorizar, descredibilizar e marginalizar – precisamente o que está a suceder atualmente. E este Despacho, publicado em agosto, está coerente com esta ideologia, pois cria condições para que ela se vá concretizando, ainda por cima na instituição societária mais importante que existe, a seguir à família – a escola.
Sobretudo os pais, como primeiros educadores dos seus filhos, devem estar atentos a estes abusos da parte do Estado (e de certas correntes de opinião), que manipulam e confundem a maioria das pessoas, a pretexto de não discriminar uma minoria mesmo muito pequena.
O cristianismo (e todos as pessoas de boa vontade) não quer a discriminação e apela à aceitação de todos, independentemente das suas opções. Mas não podemos deixar que uma minoria imponha à maioria a sua ideologia. E isto está a acontecer no nosso país, já não só em determinados partidos políticos ou associações, mas também no próprio Estado. E é pena.
Urge, pois, tomarmos consciência destas afrontas, e denunciá-las enquanto é tempo, esclarecendo os colegas de trabalho, assinando petições públicas, reagindo para a comunicação social, utilizando as redes sociais. E exercendo o nosso direito – e dever! – de votar quando somos chamados para tal (diminuindo, assim, a vergonhosa taxa de abstenção que temos).
Como pais cristãos, saibamos educar os nossos filhos (e netos) para uma sexualidade saudável, que lhes permita reconhecer que “a masculinidade ou feminilidade é constitutiva da pessoa, é o seu modo de ser, e não um simples atributo” (Carta Pastoral da CEP “A propósito da ideologia do género”, de 14/11/2013).
Jorge Cotovio
Artigo da edição de novembro do Jornal da Família