De 6 a 27 de outubro decorreu em Roma a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazónica. Foi um encontro fraternal de 21 dias que se realizou sob o clima de uma partilha aberta, livre e respeitadora. Aqueles que participam puderam ser testemunhas, como afirma o próprio texto do Documento Final, de um acontecimento eclesial marcado pela urgência do tema e pela convicção de escutar a voz do Espírito.
Tive o privilégio de poder partilhar três dias deste ambiente, ao participar num dos muitos eventos que, ao longo destes dias, foram sendo realizados. Dessa experiência tiro mesmo a conclusão de que o Sínodo apesar de estar centrado num território muito preciso de modo nenhum se confina a ele. De facto, o que se refletiu e rezou acerca da Amazónia acaba por não ter a ver só com esta zona geográfica, mas abre-se à totalidade da Igreja e do mundo. Isso mesmo aparece claramente afirmado no nº 19 do Instrumento de Trabalhoque foi distribuído a todos os participantes:
“Na Amazónia, a vida está inserida, ligada e integrada no território que, como espaço físico vital e nutritivo, é possibilidade, sustento e limite da vida. Além disso, podemos dizer que a Amazônia – ou outro espaço territorial indígena ou comunitário – não é somente um ubi (um espaço geográfico), mas também um quid, ou seja, um lugar de sentido para a fé ou a experiência de Deus na história. O território é um lugar teológico a partir do qual se vive a fé, mas é também uma peculiar fonte de revelação de Deus. Estes espaços são lugares epifánicos onde se manifesta a reserva de vida e de sabedoria para o planeta, uma vida e sabedoria que falam de Deus. Na Amazônia manifestam-se as “carícias de Deus” que se encarna na história (cf. LS, 84).”
Parece-me claro, a Amazónia não é somente um onde. Ela é, deve ser, muito mais do que isso, apontando novos caminhos a partir dos quais, com ousadia, somos chamados a pensar, viver e concretizar a fé cristã.
Encontro um desses caminhos claramente indicado no Capítulo IV do Documento Final, intitulado: novos caminhos de conversão ecológica. Nele expressamente se afirma:
“Com a ecologia integral surge um novo paradigma de justiça, uma vez que “uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (LS 49). A ecologia integral, assim, conecta o exercício do cuidado da natureza com o da justiça pelos mais empobrecidos e desfavorecidos da terra, que são a opção preferida de Deus na história revelada” (nº 66)
Não tenho dúvidas de que a questão ecológica é um tema que está muito na moda e que qualquer pessoa que esteja minimamente atenta e que queira levar a vida com seriedade não pode ignorar. A atenção que todos os partidos políticos lhe dão é também disso um sinal evidente.
Para os cristãos, no entanto, não se trata, não se pode tratar, de uma mera questão de moda. A ecologia integral, indo muito para além da ecologia ambiental, convoca-nos a uma visão e ação mais alargadas, comprometendo-nos com a promoção da dignidade humana.
“Para os cristãos, o interesse e a preocupação com a promoção e o respeito dos direitos humanos, tanto individuais como coletivos, não é algo opcional. O ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus Criador e sua dignidade é inviolável. Por isso, a defesa e a promoção dos direitos humanos não é apenas um dever político ou uma tarefa social, mas também, e sobretudo, uma exigência de fé.” (Nº 70)
Face a esta exigência onde nos situamos? Ao lado de quem estamos? Que perspetivas assumimos? Como transmitimos esta exigência? Como vamos promovendo nos nossos itinerários formativos e nas nossas comunidades este processo de conversão?
A resposta a estas questões não pode mais ser iludida ou adiada. Nessa resposta a família ocupa um papel insubstituível, pois aquilo que está em jogo implica profundas mudanças de mentalidade e estilos de vida, que não podem acontecer de um momento para o outro, se quisermos que sejam significativas e consistentes. O que está em jogo tem muito a ver com a educação das novas gerações. Já não bastam mudanças pontuais é preciso ir mais longe. Por isso o que se passou no sínodo da Amazónia pode mesmo revestir-se com os contornos da profecia. Somos chamados a perceber e integrar que conversão ecológica integral, à qual somos interpelados, e da qual decorre um novo paradigma de justiça, é mesmo uma exigência da nossa fé.
Juan Ambrosio
juanamb@ft.lisboa.ucp.pt
Artigo da edição de outubro do Jornal da Família