As crianças e a morte

Educar as crianças para a morte. Uma missão que cabe a cada família. A reflexão de Jorge Cotovio na edição de janeiro do Jornal da Família.

Em boa hora o Santuário de Fátima promoveu recentemente, em Fátima, o Seminário Interdisciplinar “As crianças, a morte e o luto”, quando se prepara o centenário da morte de Francisco e Jacinta. Para o efeito, o Santuário convidou vinte e três entidades do Estado, da Igreja e da sociedade civil para falarem sobre a morte e o luto, sobretudo no contexto da infância e da adolescência. 
 

Todos os participantes foram unânimes em considerar que se fala pouco da morte – a maior certeza que temos na nossa vida! –, porque os pais têm receio de “traumatizar as crianças”. 
 

Esquecem-se estes pais que quanto mais entendermos a morte mais “juízo” temos na vida, levando-nos a ter atitudes bem mais evangélicas… 
 

A morte (e o sofrimento) é o tabu dos tempos modernos. Outrora, expunha-se, hoje oculta-se.
 

É curioso que o primeiro contacto que a maioria das crianças atuais têm com a morte é aquando da morte de um animal doméstico. Sinais dos tempos…

Torna-se, pois, urgente, educar as crianças para a morte, aproveitando momentos significativos do calendário litúrgico, tais como o Dia de Todos os Santos (que, impropriamente, o reduzimos a recordar os nossos familiares falecidos) ou a Paixão e Morte de Cristo (e Ressurreição), ou aproveitando o falecimento de um familiar ou amigo. Levar a criança ou o adolescente ao velório ou ao cemitério é a recomendação das entidades que mais lidam com esta realidade. E é também a minha recomendação.
 

É claro que a morte para uma criança é sempre um choque, especialmente se for de um familiar próximo ou de um amigo. Mas protegê-la deste choque só vai desprotegê-la das (muitas) contrariedades da vida, e da dor e sofrimento que, obrigatoriamente, todos temosque passar.
 

O grande problema é que a maioria dos pais tem dificuldade de dialogar com os filhos sobre este tema. Porque a morte, para grande parte dos adultos, é um “mistério”. E para se entendereste “mistério” precisamos de ter “fé”, de crermos na “vida eterna”, de sentir que esta vida é apenas uma passagem – viemos de Deus e para Ele voltaremos. 
 

Compreende-se o incómodo que nos provoca a “morte”. Nascemos para a vida e uma pessoa normal, por mais religiosa que seja, procura sempre evitar a morte (este facto faz-me lembrar aquele sacerdote que na homilia pergunta aos fiéis: “quem quer ir para o Céu quando morrer”; toda a gente pôs o braço no ar; “e quem quer ir para o Céu hoje?” Ninguém respondeu…). Mas não podemos – de forma alguma – ocultar ou mitigar esta(s) realidade(s) que a todos atinge, mais cedo ou mais tarde.
 

Como ouvi, no Seminário, de um responsável de uma instituição não confessional, “uma criança que não vai ao velório de um familiar é uma criança que em adolescente não quer ir ver o avô ao lar e que, quando adulto, defende a eutanásia para os pais”…
 

Que ao menos as famílias cristãs tenham a coragem de educar os filhos, desde tenra idade, para o ocaso da vida – a morte – a “coisa” mais certa que temos na vida…

Jorge Cotovio

jfcotovio@gmail.com
Artigo da edição de janeiro do Jornal da Família

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