Os tempos que correm, além de estranhos, atípicos e totalmente imprevisíveis há meia dúzia de meses, estão a causar muitas dificuldades e preocupações em milhares de famílias e milhões de pessoas no nosso país (e fora dele). Não fiquei, pois, admirado pelas notícias bombásticasrecentemente vindas a público sobre o aumento do consumo de ansiolíticos e de antidepressivos verificado nos primeiros três meses do ano – qualquer coisa como cinco milhões de ansiolíticos vendidos, projetando-nos para o 5.º país com maior consumo de entre os 29 que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Temo que no 2.º trimestre, contemplando plenamente o período de confinamento e as primeiras consequências diretas da crise económica, o panorama se agrave mais.
A questão é cultural (e estrutural). Somos (ainda) um país “pobre” quando comparado com a maioria dos nossos parceiros europeus, mas queremos viver “à rica”; somos (ainda) pouco empreendedores e gostamos muito de viver à custa do Estado e de subsídios; superprotegemos os filhos, desde muito pequenos, porque eles são pouquíssimos (temos das taxas de natalidade mais baixas do mundo) e porque somos “medrosos”.
Este conjunto de fatores, quando tudo corre bem, pode não incomodar muito. Mas quando algo corre mal, só nos pode conduzir a situações penosas. E, infelizmente, a forma mais comum (e fácil) de conviver com estas situações é tomar uma droga para as atenuar pelo menos durante algum tempo.
A maioria das pessoas que neste momento está no auge da vida ativa – entre os 35 e os 50 anos – cresceu e foi educada no período sequente à revolução de abril de 1974, onde muitíssimos pais, até com receio da reação dos filhos, lhes procuraram facilitar a vida, dando-lhes tudo e poupando-os a esforços e a sacrifícios. A este propósito, há cerca de um ano, o Pe. José Carlos Nunes, no editorial da revista Família Cristã, ao abordar o “mito da autorrealização”, escrevia o seguinte: «’Pensa em ti mesmo’, foi isto que o sistema social, educativo, cultural e psicológico ensinou à geração dos quarenta de hoje. (…) O mito da autorrealização leva-nos inevitavelmente à solidão porque se nos centrarmos só em nós mesmos barricamo-nos apenas no ‘eu’ e não deixamos que o outro seja um ‘tu’ e depois um ‘nós’ em plenitude» (FC, julho/ agosto 2019, p. 5).
Esta “má” educação e estas atitudes egoístas, ao surgirem “pressões” e as consequentes “depressões”, só podem conduzir ao consumo desmesurado e descontrolado de “antidepressivos”.
Para travar este estado de coisas, não há outro remédio senão educar as novas gerações, desde bem cedo, para a responsabilidade, para o esforço, para a renúncia, para a adversidade, num ambiente que compagina o amor e o estímulo (que são fundamentais) com a disciplina e as regras. Só assim os nossos filhos e netos e bisnetos se tornarão “resilientes”, capazes de enfrentar com energia, entusiasmo e esperança as dificuldades, convertendo-as em excelentes oportunidades de crescimento pessoal a todos os níveis.
E se tudo isto for envolvido e perpassado pela atmosfera espiritual – que nos leva a ser humildes e a ajoelhar perante um Deus próximo, amigo e companheiro –, (quase que) garanto que não haverá necessidade de ansiolíticos e de antidepressivos, pois brota dentro de nós a certeza da ajuda divina e a consequente esperança em dias melhores. Ele não nos tirará o sofrimento, mas garante estarconnosco na dor, permanentemente (e carinhosamente) a segredar-nos: “Não temas, estou contigo!”. E isto bastará.
Jorge Cotovio
jfcotovio@gmail.com
Artigo da edição de julho do Jornal da Família