Efervesce na opinião pública a polémica sobre a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento (C&D). Tudo começou quando o Secretário de Estado João Costa deu um despacho escrito de concordância sobre um parecer/ proposta de anulação das passagens de ano de dois alunos de uma escola de Famalicão, passagens de ano que já tinham sido decididas favoravelmente pelos respetivos (e competentes conselhos de turma), nos dois anos escolares passados. Tudo isto porque os pais destes alunos impediram os filhos de frequentar a disciplina de C&D, pois aí eram tratados assuntos, designadamente sobre género e sexualidade que, segundo eles, são da responsabilidade dos pais e não da escola.
Não vou entrar em pormenores. Mas vou ao centro da questão. Com a capa da liberdade e do respeito e tolerância por todos e por todas as opiniões, e da luta (justíssima) pela igualdade entre homens e mulheres (“igualdade de género”), entra abertamente na escola a “ideologia do género” – uma corrente de pensamento que procura incutir na sociedade que o género, masculino ou feminino,não tem de corresponder ao sexo, mas pertence a uma escolha de cada indivíduo, subjetiva, ditada por instintos, impulsos, preferências e interesses, modas e ambientes culturais, indo para além dos dados naturais e objetivos.Ou seja, os mentores desta ideologia recusam a complementaridade natural entre os sexos, dissociam a sexualidade da procriação, pretendendo desconstruir a matriz heterossexual da sociedade, assente na família “tradicional” (que parte da união entre um homem e uma mulher). Para os seus adeptos, qualquer pessoa pode escolher o “sexo”.
Quando, a pretexto de temas muito sensíveis que podem ser tratados na disciplina de C&D, esta corrente tendenciosa entra na escola e manipula a consciência de crianças do 1.º ciclo (e alunos dos restantes ciclos), os pais e os cidadãos (e os cristãos) devem apurar o seu espírito crítico e reagir. Porque o Estado tem de ter o cuidado de não ferir princípios que fazem parte do património cultural e axiológico de uma sociedade. Daí, o art.º 43.º da CRP, que proíbe o Estado de programar a educação segundo quaisquer diretrizes filosóficas, políticas, ideológicas ou religiosas. A escola (e o currículo) colaboram com a família na educação, mas não a substituem. Em assuntos que fazem parte do universo íntimo de cada pessoa e de cada família, exige-se ao Estado a cautela e a sensatez para discernir qual a fronteira que não pode ultrapassar.
Também caberá aos professores e responsáveis das escolas as devidas cautelas. Mesmo com bons currículos e programas, quem manda na sala de aula é o professor. E um mau conteúdo pode ser corrigido/ melhorado por um bom professor; como um bom programa e uma boa matéria podem ser manipulados e desvirtuado por um mau professor. Com bons ou maus currículos e programas, quem manda na escola é o diretor. E é ele que deixa, ou não, lá entrar um conferencista ou uma associação para darem uma palestra aos alunos. E como podem ser perversas estas “sessões de formação”…
A liberdade de educação – que na sua completa abrangência deveria permitir aos pais escolherem a escola para os seus filhos sem encargos adicionais – no limite, deve permitir a objeção de consciência. Para evitar imbróglios, cabe ao Estado saber regular o sistema, com a prudência necessária, à margem de pressões políticas, religiosas e ideológicas. Por esta razão, já há décadas que a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) é facultativa. Pena é que, tal como preconizava na altura o Ministro da Educação Roberto Carneiro, não haja uma alternativa a esta disciplina, remetendo-a para horários indesejáveis, caindo muitos alunos e pais cristãos na tentação fácil de não se inscreverem (até porque é “mais uma disciplina e que não conta para nota”).
Para terminar volto à ideia central desta partilha: a “ideologia do género”. Embora a problemática não se circunscreva a questões do foro eminentemente religioso, que pelo menos os pais cristãos estejam atentos e esclarecidos nestas matérias – até porque os filhos são facilmente engolidos pela onda, sob a capa da moda, do modernismo e do “politicamente correto”.
E para um cabal esclarecimento destes assuntos, em apenas 5 páginas, recomendo vivamente a Carta Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa “A propósito da ideologia do género”, publicada em 14 de novembro de 2013(acessível na Internet), que se mantém atualíssima, e que mereceu na altura os maiores elogios nos meios eclesiásticos e civis, tendo inclusivamente servido de referência para outras conferências episcopais da Europa e de outros continentes.
Façamos esta reflexão, enquanto é tempo. E para bem dos vindouros.
Jorge Cotovio
Artigo da edição de outubro do Jornal da Família