De regresso a estas linhas – depois de um tempo de descanso no qual foi possível, juntamente com a família, mudar de ritmos e fazer coisas diferentes – retomo o exercício de leitura que estamos a realizar, destacando uma temática que me parece estar na linha de continuidade com o número anterior e com o momento que estamos a viver.
Estamos claramente a tentar regressar a uma certa normalidade nas nossas vidas. Retomam-se os trabalhos, recomeçam as escolas, pretende-se, tanto quanto possível, que regressemos aos ritmos e às dinâmicas a que estávamos habituados. Claro que temos consciência de que não pode ser tudo igual e de que temos de fazer muitas coisas de maneira diferente. Por isso, até se fala de um ‘novo normal’.
A este propósito não posso deixar de anotar que esta é uma expressão que marca presença constante nos nossos diálogos e nas notícias que vemos, ouvimos e lemos. Confesso que está é também uma daquelas expressões que, apesar de ser vulgarmente usada, não me parece feliz, nem certeira. Já antes tinha sentido algo semelhante em relação à expressão ‘distanciamento social’, pois o que verdadeiramente é necessário é um distanciamento físico, mas nunca social. Nesta altura o que precisamos é ainda de estar ainda mais atentos e próximos de todos, especialmente daqueles que mais precisam, para que ninguém corra o risco de ficar esquecido. Parece que isso foi compreendido e são cada vez mais aqueles que preferem a expressão distanciamento físico. Ainda bem, e espero, sinceramente, que aconteça algo semelhante com a expressão ‘novo normal’ que, como referi, me parece desajustada, pois pessoalmente não quero que a normalidade seja aquela que estamos a viver, como também não me parece que seja bom contentarmo-nos com a dita normalidade existente antes da pandemia.
Nem a normalidade de antes, nem a novidade de agora, o que devemos verdadeiramente promover é um mundo melhor, em que a dignidade da vida humana, de toda e cada vida humana, seja o critério a partir do qual se conduzam as políticas e se giram as economias.
E é aqui que a releitura do nº 10 do Jornal da Família ( outubro de 1960) me faz pensar. Referindo-se, de novo, ao Movimento «Para um Mundo melhor», o artigo começa assim:
“O Jornal da Família não pode ficar indiferente ao esforço que na Igreja se está a fazer para construir um mundo melhor, não com armas e discursos, mas com amor e obras”
Seria mesmo bom que estas palavras tivessem a tonalidade da profecia, de modo a que os cristãos e as suas comunidades se empenhassem verdadeiramente e a sério na construção de um mundo melhor, ou seja, um mundo novo, marcado pela novidade do evangelho.
E já quase no fim do mesmo artigo podemos ler:
“Que todos sejam um, eis o grande desejo do Senhor expresso na Última Ceia. O Mundo Melhor há-de sempre surgir deste esforço – unir-se cada um quanto puder a Cristo, mas ao Cristo total. Se como crentes, louvarmos e amarmos o senhor, quer na eucaristia, quer no Evangelho, havemos de o aceitar e louvar e respeitar e servir nos nossos irmãos.”
Promover colaboração, a unidade, a solidariedade, entre todos os seres humanos, é o caminho que temos de percorrer, não para alcançar a tal nova normalidade, mas para criar um mundo melhor, um mundo novo. Esse terá de continuar a ser hoje e no futuro, tal como o foi há 60 anos atrás, um dos grandes objetivos deste nosso Jornal.
Juan Ambrosio
juanamb@ft.lisboa.ucp.pt
Artigo da edição de outubro do Jornal da Família