Na terceira página do nº 11 do nosso Jornal (novembro de 1962) podemos encontrar um pequeno artigo intitulado «A que classe pertences?», que pode até passar desapercebido, mas que me interpelou bastante. Tenho consciência de que os 60 anos que nos separam dessa data é um tempo imenso. Nem Portugal, nem o mundo são hoje o que eram nessa altura. O exercício que então foi feito, hoje, certamente, teria de ser formulado com outra linguagem e, mesmo, com outra perspetiva. Em todo o caso, sem deixar de ter bem presente essa distância e essa diferença, julgo que a interpelação que nele se encontra contínua a ser pertinente e a ter lugar.
O artigo começa assim:
“São várias as classes em que se podem dividir os católicos. O catolicismo é exigente […]. Mas há muitos católicos que não querem sujeitar-se e submeter-se a essas exigências e por isso procuram ser católicos à sua moda.”
Chamo a atenção para a formulação «católicos à sua moda», julgo que com ela se aponta para uma questão que contínua hoje a ser relevante. É verdade que o cristiansimo tem de ser sempre assumido pessoalmente, pelo que assumirá sempre contornos que obrigatoriamente têm de ter, digamos, um toque pessoal. Mas dizer isto não significa que ele possa ser assumido e vivido como algo que apenas tem a ver com a sensibilidade e o jeito de cada um. Não nos esqueçamos que o cristianismo não pode deixar de ser nunca uma experiência simultaneamente individual e comunitária. Se faltar uma destas dimensões é a própria experiência cristã que fica afetada na sua amplitude e verdade.
Voltemos ao texto procurando entender ‘as modas’ que aponta:
“há os católicos de simples baptismo, que receberam a graça da via cristã no baptismo, mas que a perderam abandonaram por completo […]. Há os católicos lunáticos, que só cumprem os seus deveres religiosos em certos dias e em certos tempos de boa disposição, conforme… a lua… Há os católicos de domingo, porque só nesse dia se lembram que são cristãos […] há os católicos de andar por casaque só cumprem os deveres quando ninguém vê […]. Pelo contrário, há católicos farisaicosque só fazem aquilo que dá nas vistas […]. Há católicos de dias solenesque só aparecem nas grandes solenidades ou cerimónias religiosas de grande aparato. Há católicos de circunstânciaque são católicos de manhã e não de tarde; de dia, mas não à noite; em casa mas não na rua; na igreja, mas não fora dela. Há, finalmente, católicos por dentro e por fora a cem por cento[… que] são aqueles que harmonizam as suas obras com a fé.”
E este pequeno artigo termina interrogando-se: “Querido leitor, examina a tua vida e vê a qual destas classes pertences.”
No momento histórico tão importante que estamos a viver, no qual, como tão explicitamente afirma o papa Francisco no nº 8 da sua recente encíclica Fratelli Tutti, somos chamados a sonhar um mundo melhor “como uma única humanidade, como filhos desta mesma Terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos”, nenhum de nós pode ignorar o sentido interpelador da pergunta.
Sim querido leitor, se queremos ser verdadeiros protagonistas das mudanças necessárias que este mundo precisa, temos mesmo de interrogar-nos acerca da verdade da nossa identidade cristã.
Ajudar a refletir nesse sentido é algo que o Jornal da Família tem sempre de continuar a fazer.
Juan Ambrosio
juanamb@ft.lisboa.ucp.pt
Artigo da edição de novembro do Jornal da Família