A propósito de educação, um preito a Mendes Fernandes

Jorge Cotovio recorda na edição de dezembro do Jornal da Família o padre Mendes Fernandes, amigo íntimo de Mons. Alves Brás, colegas da mesma diocese, que partilhavam juntos o ideal da educação cristã.

Nas visitas guiadasque Juan Ambrosio tem feito aos primeiros números deste jornal, citou há tempos o Pe. António Mendes Fernandes, amigo íntimo de Mons. Alves Brás e colegas da mesma diocese. 

Os dois teriam comungado muitos ideais. Um deles foi, sem dúvida, a educação cristã.


Alves Brás escrevia isto há 60 anos:

«O problema da instrução religiosa e da educação cristã da juventude é, sem dúvida, o problema máximo que, em nossos dias, se põe à Família, à Igreja e ao Estado.

A juventude hoje, mais do que em tempos idos, encontra-se exposta a maiores perigos e seduções, já por causa dos livros ímpios e licenciosos, já por causa do cinema, rádio e televisão e até por causa das facilidades de deslocação.

Para prevenir ou remediar todos estes males provenientes destes perigos, é necessário dar à juventude uma esclarecida instrução e uma sólida educação cristã. Só elas poderão salvar a nossa juventude» (Mons Alves Brás, edição n.º 10 do Jornal da Família, outubro de 1960 – citação retirada da edição de outubro de 2020 doJornal da Família)


Por esta altura, Mendes Fernandes acabava de editar em livro a sua tese de doutoramento em Direito Canónico, intitulada “A educação em Portugal – Direitos da Família, da Igreja e do Estado”.
 

Esta obra ímpar fez-me aproximar deste Homem há cerca de um quarto de século. Desde então, cimentou-se uma amizade profunda que se estendeu até à sua morte, aos 99 anos, e se prolongou (prolonga), pois é um dos santos a quem todos os dias peço intercessão.
 

Se o seu primeiro livro foi o pretexto para esta forte ligação humana, académica e espiritual, o seu último livro – “Subsídios para um recto Sistema Educativo” –, escrito já com a provecta idade de 92 anos, é-me muito caro porque fala da educação cristã e da educação em liberdade, e porque fui um privilegiado: eu próprio colaborei na revisão dos textos e escrevi o prefácio. 
 

O diapasão, a caneta e a cruz foram os 3 símbolos da vida de Mendes Fernandes. 
 

Porque a música (sacra) – a “divina arte” – o embalou e envolveu desde pequeno. Já grande, foi professor de música no Seminário, regente e compositor.
 

Porque, desde cedo, tinha gosto em escrever, escreveu muito, tendo chegado a ser diretor do Notícias da Covilhãdurante quase três décadas e seu colaborador até pouco antes da sua morte.
 

Porque “a cruz é o sinal mais (+), o sinal maior do infinito amor de Cristo”. E o seu sentido apurado de humor fê-lo acrescentar: “Mas as cruzes da vida assumem muitas facetas e, por vezes, dolorosas. Por isso, advertem os poetas: ‘cautela, ri mais devagar / não vás a dor acordar’”. 
|

Mas terá sido o binómio Família-Educação Cristã que mais o encantou na sua vida. A maioria dos seus escritos sublinha a importância dos pais (e da família) na educação dos filhos, norteando-os por valores cristãos. E depois, suportando-se no princípio da subsidiariedade, enfatiza o papel insubstituível da Igreja neste processo educativo, não só através da catequese e das aulas de “Religião de Moral”, como também por via das suas escolas (católicas). E sem meias palavras, enquanto as forças o permitiram, foi escrevendo em variados areópagos, antes e depois do 25 de abril, que o Estado deve dar liberdade aos pais de escolher a escola para os filhos, sem encargos adicionais, pois “O Estado não é dono nem gerente da Educação, deve ser sempre e só garante”. Daí, a liberdade de a Igreja criar escolas e de as colocar ao serviço de todos, e não apenas dos que têm dinheiro para suportar propinas. 
 

Junto da sua casa, em Tortosendo, o Senhor Doutor Mendes Fernandes (como por ali também era conhecido) viu criar o Colégio de N. S. dos Remédios – um verdadeiro polo de desenvolvimento cultural da região. Incompreensivelmente, já depois da sua morte, o Colégio viu-se obrigado a encerrar devido à falta de financiamento público, fruto da onda estatista (e ideológica) que grassa na atual conjuntura governamental. Que tremenda injustiça! 
 

O gosto por viver intensamente mesmo quando as forças começaram a escassear e o ocaso da vida a sobrar manifesta-se, sobremaneira, nesta sua citação: “Como a vida é eterna, realmente não tenho pressa de partir, pois, enquanto peregrinamos cá em baixo, temos oportunidade de fazer mais algum bem aos outros e para nós granjear mais alguns méritos”.  
 

Colho deste homem testemunhos de vida extraordinários, o maior dos quais foi (é) a sua Fé. E o orgulho de ser padre. E creio que entre ele e Mons. Alves Brás deveria ter existido uma tal simbiose que eu, sem conhecer este, acredito que era em tudo – sobretudo na Fé, no orgulho de ser padre e na paixão pela família – muito semelhante àquele.
 

Volto ao ponto de partida: a educação cristã da juventude. Uma tarefa que incumbe, em primeiro lugar à família: “Os jovens precisam de ser respeitados na sua liberdade, mas necessitam também de ser acompanhados. A família deveria ser o primeiro espaço de acompanhamento” (Christus Vivit242). 

“Muitas vezes, os avós prestam uma contribuição decisiva no afeto e na educação religiosa: com a sua sabedoria, são um elo decisivo na relação entre gerações” (262). 
 

Mas uma tarefa que também responsabiliza a Igreja: 

“Sem dúvida, as instituições educacionais da Igreja são um ambiente comunitário de acompanhamento que permite orientar muitos jovens, sobretudo quando procuram acolher todos os jovens (…). Desta forma, a Igreja presta uma contribuição fundamental para a educação integral dos jovens nas mais diversas partes do mundo” (247).

Comunguemos, pois, deste desafio, tão bem concretizado pelos Padres Alves Brás e Mendes Fernandes, e tão acarinhado pelo nosso Papa Francisco, quando a Igreja portuguesa está especialmente empenhada na preparação próxima das Jornadas Mundiais da Juventude.

Jorge Cotovio

jfcotovio@gmail.com

Artigo da edição de dezembro do Jornal da Família

Partilhar:

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn
Relacionado

Outras Notícias

E depois da pandemia?

“A sociedade está cansada e não tem tempo”, afirma Cristiana Moreira numa reflexão sobre a empatia, ou a falta dela, num tempo em que as vidas voltaram a ser “engolidas pela rotina”.

Ler Mais >>

«Alegres na esperança» (Rm 12, 12)

A caminho do Jubileu de 2025, a esperança torna-se o fio condutor da mensagem do Papa Francisco para a XXXVIII Jornada Mundial da Juventude, que se celebra a 26 de novembro, Solenidade de Cristo-Rei.

Ler Mais >>

Haverá anos letivos tranquilos?

Um olhar pelo passado para constatar que a instabilidade do presente não é algo novo. E em matéria de educação, mais do que lamentar a “instabilidade ” do arranque de mais um ano letivo, há que transmitir “serenidade e confiança às crianças e aos jovens”. O artigo de Jorge Cotovio na edição de novembro do Jornal da Família.

Ler Mais >>

Alarme para defender a vida na Terra

Estamos a chegar ao “ponto de rutura” escreve o Papa Francisco na Exortação ‘Laudate Deum’. Octávio Morgadinho traça no artigo deste mês as linhas gerais do novo documento papal que deixa o alerta: “um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior inimigo de si mesmo”.

Ler Mais >>

Se queres a paz, prepara-te para a paz

Perante um mundo que nos é apresentado com “horrorosas imagens da guerra”, Juan Ambrosio acredita que “o mundo e a existência” continuam a ser “sustentados pelo amor e pela bondade”. E a chave para a paz reside na educação.

Ler Mais >>

Eslovénia, o dom da natureza

O Lago de Bled é um lugar rodeado de silêncio e de natureza onde se encontra o Santuário de Nossa Senhora da Assunção, ponto de encontro das famílias que ali peregrinam ao fim de semana. Fica na Eslovénia e encantou Cristiano Cirillo que fez dele o mote para a crónica da rubrica “A beleza da espiritualidade em viagem”.

Ler Mais >>