Nas visitas guiadasque Juan Ambrosio tem feito aos primeiros números deste jornal, citou há tempos o Pe. António Mendes Fernandes, amigo íntimo de Mons. Alves Brás e colegas da mesma diocese.
Os dois teriam comungado muitos ideais. Um deles foi, sem dúvida, a educação cristã.
Alves Brás escrevia isto há 60 anos:
«O problema da instrução religiosa e da educação cristã da juventude é, sem dúvida, o problema máximo que, em nossos dias, se põe à Família, à Igreja e ao Estado.
A juventude hoje, mais do que em tempos idos, encontra-se exposta a maiores perigos e seduções, já por causa dos livros ímpios e licenciosos, já por causa do cinema, rádio e televisão e até por causa das facilidades de deslocação.
Para prevenir ou remediar todos estes males provenientes destes perigos, é necessário dar à juventude uma esclarecida instrução e uma sólida educação cristã. Só elas poderão salvar a nossa juventude» (Mons Alves Brás, edição n.º 10 do Jornal da Família, outubro de 1960 – citação retirada da edição de outubro de 2020 doJornal da Família)
Por esta altura, Mendes Fernandes acabava de editar em livro a sua tese de doutoramento em Direito Canónico, intitulada “A educação em Portugal – Direitos da Família, da Igreja e do Estado”.
Esta obra ímpar fez-me aproximar deste Homem há cerca de um quarto de século. Desde então, cimentou-se uma amizade profunda que se estendeu até à sua morte, aos 99 anos, e se prolongou (prolonga), pois é um dos santos a quem todos os dias peço intercessão.
Se o seu primeiro livro foi o pretexto para esta forte ligação humana, académica e espiritual, o seu último livro – “Subsídios para um recto Sistema Educativo” –, escrito já com a provecta idade de 92 anos, é-me muito caro porque fala da educação cristã e da educação em liberdade, e porque fui um privilegiado: eu próprio colaborei na revisão dos textos e escrevi o prefácio.
O diapasão, a caneta e a cruz foram os 3 símbolos da vida de Mendes Fernandes.
Porque a música (sacra) – a “divina arte” – o embalou e envolveu desde pequeno. Já grande, foi professor de música no Seminário, regente e compositor.
Porque, desde cedo, tinha gosto em escrever, escreveu muito, tendo chegado a ser diretor do Notícias da Covilhãdurante quase três décadas e seu colaborador até pouco antes da sua morte.
Porque “a cruz é o sinal mais (+), o sinal maior do infinito amor de Cristo”. E o seu sentido apurado de humor fê-lo acrescentar: “Mas as cruzes da vida assumem muitas facetas e, por vezes, dolorosas. Por isso, advertem os poetas: ‘cautela, ri mais devagar / não vás a dor acordar’”.
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Mas terá sido o binómio Família-Educação Cristã que mais o encantou na sua vida. A maioria dos seus escritos sublinha a importância dos pais (e da família) na educação dos filhos, norteando-os por valores cristãos. E depois, suportando-se no princípio da subsidiariedade, enfatiza o papel insubstituível da Igreja neste processo educativo, não só através da catequese e das aulas de “Religião de Moral”, como também por via das suas escolas (católicas). E sem meias palavras, enquanto as forças o permitiram, foi escrevendo em variados areópagos, antes e depois do 25 de abril, que o Estado deve dar liberdade aos pais de escolher a escola para os filhos, sem encargos adicionais, pois “O Estado não é dono nem gerente da Educação, deve ser sempre e só garante”. Daí, a liberdade de a Igreja criar escolas e de as colocar ao serviço de todos, e não apenas dos que têm dinheiro para suportar propinas.
Junto da sua casa, em Tortosendo, o Senhor Doutor Mendes Fernandes (como por ali também era conhecido) viu criar o Colégio de N. S. dos Remédios – um verdadeiro polo de desenvolvimento cultural da região. Incompreensivelmente, já depois da sua morte, o Colégio viu-se obrigado a encerrar devido à falta de financiamento público, fruto da onda estatista (e ideológica) que grassa na atual conjuntura governamental. Que tremenda injustiça!
O gosto por viver intensamente mesmo quando as forças começaram a escassear e o ocaso da vida a sobrar manifesta-se, sobremaneira, nesta sua citação: “Como a vida é eterna, realmente não tenho pressa de partir, pois, enquanto peregrinamos cá em baixo, temos oportunidade de fazer mais algum bem aos outros e para nós granjear mais alguns méritos”.
Colho deste homem testemunhos de vida extraordinários, o maior dos quais foi (é) a sua Fé. E o orgulho de ser padre. E creio que entre ele e Mons. Alves Brás deveria ter existido uma tal simbiose que eu, sem conhecer este, acredito que era em tudo – sobretudo na Fé, no orgulho de ser padre e na paixão pela família – muito semelhante àquele.
Volto ao ponto de partida: a educação cristã da juventude. Uma tarefa que incumbe, em primeiro lugar à família: “Os jovens precisam de ser respeitados na sua liberdade, mas necessitam também de ser acompanhados. A família deveria ser o primeiro espaço de acompanhamento” (Christus Vivit242).
“Muitas vezes, os avós prestam uma contribuição decisiva no afeto e na educação religiosa: com a sua sabedoria, são um elo decisivo na relação entre gerações” (262).
Mas uma tarefa que também responsabiliza a Igreja:
“Sem dúvida, as instituições educacionais da Igreja são um ambiente comunitário de acompanhamento que permite orientar muitos jovens, sobretudo quando procuram acolher todos os jovens (…). Desta forma, a Igreja presta uma contribuição fundamental para a educação integral dos jovens nas mais diversas partes do mundo” (247).
Comunguemos, pois, deste desafio, tão bem concretizado pelos Padres Alves Brás e Mendes Fernandes, e tão acarinhado pelo nosso Papa Francisco, quando a Igreja portuguesa está especialmente empenhada na preparação próxima das Jornadas Mundiais da Juventude.
Jorge Cotovio
Artigo da edição de dezembro do Jornal da Família