Já estamos em pleno tempo quaresmal, no qual todos somos convidados a preparar as celebrações pascais. O que for a verdade da vivência deste tempo, marcará, também, a verdade da vivência do tempo pascal. Daqui decorre também a necessidade de olharmos com coragem para a verdade das nossas vidas, de modo a, com igual coragem, nos abrirmos à vida dos outros.
Para a realização deste caminho, que pelo segundo ano vamos viver de um modo muito peculiar devido à situação de pandemia em que ainda nos encontramos, o papa Francisco aponta-nos dois tripés nos quais podemos sustentar os nossos exercícios quaresmais e a partir dos quais podemos viver o tempo pascal.
O primeiro tripé é assim descrito na sua mensagem quaresmal:
“O jejum, a oração e a esmola – tal como são apresentados por Jesus na sua pregação (cf. Mt 6, 1-18) – são as condições para a nossa conversão e sua expressão. O caminho da pobreza e da privação (o jejum), a atenção e os gestos de amor pelo homem ferido (a esmola) e o diálogo filial com o Pai (a oração) permitem-nos encarnar uma fé sincera, uma esperança viva e uma caridade operosa.”
A partir deste tripé podemos destacar um tríplice exercício de concentração naquilo que é o essencial. Pelo jejum, a partir do qual podemos abdicar de tanta coisa secundária na nossa vida, podemos concentra-nos (converter-nos) àquilo que deve ser o verdadeiro fundamento do viver; pela esmola, que nos ajuda a perceber as necessidades do(s) outro(s) podemos concentra-nos (converter-nos) ao(s) outro(s), percebendo como no exercício do cuidado reside algo que é fundamental para a nossa existência enquanto indivíduos e enquanto humanidade; pela oração, com a qual nos aproximamos mais de Deus, podemos concentra-nos (converter-nos) no seu modo de escutar e de falar e, porque não dizê-lo também, converter-nos ao seu modo olhar para a humanidade e de a sonhar.
Este exercício de conversão ajuda-nos, como já se pode verificar no fim da citação anteriormente referida, a viver de um modo mais intenso os elementos que constituem o segundo tripé.
A fé que nos chama a acolher a verdade e a tornar-nos suas testemunhas e que neste tempo de quaresma:
“significa, antes de mais, deixar-nos alcançar pela Palavra de Deus, que nos é transmitida de geração em geração pela Igreja. Esta Verdade não é uma construção do intelecto, reservada a poucas mentes seletas, superiores ou ilustres, mas é uma mensagem que recebemos e podemos compreender graças à inteligência do coração, aberto à grandeza de Deus, que nos ama ainda antes de nós próprios tomarmos consciência disso. Esta Verdade é o próprio Cristo, que, assumindo completamente a nossa humanidade, Se fez Caminho – exigente, mas aberto a todos – que conduz à plenitude da Vida.”
A esperança que, “como água viva, nos permite continuar o nosso caminho” e que, no momento, atual se revela ainda mais importante. Por isso nesta quaresma somos desafiados:
“a «dizer palavras de incentivo, que reconfortam, consolam, fortalecem, estimulam, em vez de palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam» (FT, 223). Às vezes, para dar esperança, basta ser «uma pessoa amável, que deixa de lado as suas preocupações e urgências para prestar atenção, oferecer um sorriso, dizer uma palavra de estímulo, possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença» (FT, 224).”
A caridade, que“vivida seguindo as pegadas de Cristo na atenção e compaixão por cada pessoa, é a mais alta expressão da nossa fé e da nossa esperança”, e que significa, como também se pode ler na Mensagem:
“cuidar de quem se encontra em condições de sofrimento, abandono ou angústia por causa da pandemia de Covid19. Neste contexto de grande incerteza quanto ao futuro, lembrando-nos da palavra que Deus dera ao seu Servo – «não temas, porque Eu te resgatei» (Is 43, 1) –, ofereçamos, juntamente com a nossa obra de caridade, uma palavra de confiança e façamos sentir ao outro que Deus o ama como um filho.”
A meta do caminho sabemos qual é, e já temos também sinalizado o ‘equipamento’ com o qual o podemos fazer. Cabe-nos, agora, ousar percorrê-lo, para podermos fazer com que o cântico de aleluia possa mesmo ser um hino à vida num tempo já a renovar-se.
Juan Ambrosio
juanamb@ft.lisboa.ucp.pt
Artigo da edição de março do Jornal da Família