A prática Sinodal na vida Familiar

Olhar a sinodalidade numa perspetiva familiar de Igreja doméstica. Foi este o desafio lançado pelo Jornal da Família ao sacerdote Octávio Morgadinho.

Ao apresentar o artigo “Caminhar juntos numa Igreja de escuta e diálogo” publicado no última edição este jornal, foi-me lançado o repto: “será viável olhar a sinodalidade numa perspetiva familiar de Igreja doméstica?
 

”A minha resposta imediata foi: “claro que sim. Se o sentido etimológico da palavra sínodo é “caminho juntos” – na perspetiva dinâmica “caminhar juntos”, “fazer caminho, caminhando juntos” –  facilmente se infere que o “caminho sinodal” é método, é processo para prosseguir e atingir o fim comum dos membros duma instituição por natureza orientada para a vida em comum dos seus membros para juntos, atingirem o mais alto grau possível dos seus objetivos comuns e pessoais, a serem felizes. A felicidade é o anseio que se atribui comumente aos noivos que decidem unir as suas vidas no matrimónio e é expresso nos poemas mais arrebatados do Cântico dos Cânticos ou na mais prosaica declaração de amor. Daí resulta o sentir do sucesso duma vida realizada individual e socialmente que no contexto bíblico se expressa nalguns livros sapienciais e no testemunho público de tantas famílias que expandem o saber da sua experiência no serviço dos outros e da comunidade. É uma experiência do viver em comum, um saber viver juntos, todas as dimensões da relação humana desde o mais instintivo dos impulsos até à mais espiritual comunhão baseada na fé que se expressa na oração e na esperança e se transmite pelo testemunho. Com razão se define a paróquia – unidade básica da comunhão visível da Igreja – como “comunidade das igrejas domésticas”, das famílias.
 

A todas estas experiências se refere o Documento preparatório do Sínodo “Para uma Igreja sinodal comunhão participação e missão” (n.25) ao dizer: “não pode deixar de se referir às experiências desinodalidade vivida, a vários níveis e com diferentes graus de intensidade: os seus pontos fortes e os seus sucessos, assim como os seus limites e as suas dificuldades, oferecem elementos preciosos para o discernimento sobre a direção na qual continuar a caminhar. Aqui, certamente, faz-se referência às experiências ativadas pelo presente caminho sinodal, mas também a todas aquelas em que já se experimentam formas de “caminhar juntos” na vida do dia a dia, mesmo quando o termo sinodalidade nem sequer é conhecido ou utilizado.”
 

As famílias cristãs que guiadas pela fé, unidas na caridade e fortalecidas pela graça do matrimónio e restantes sacramentos viveram fielmente a sua vocação são sem dúvida laboratórios onde se processam e potenciam diariamente “experiências de sinodalidade vivida” que nunca foram referidas porque tradicionalmente a Igreja privilegiou o uso do termo para a dimensão hierárquica baseada no sacramento da ordem. Chegou o tempo da Igreja ativar plenamente as suas consequências da dimensão profética e sacerdotal do Batismo (Lumen Gentium 10,11,12). “O ponto de partida, no corpo eclesial, é este e mais nenhum: o Batismo. Dele, nossa fonte de vida, deriva a igual dignidade dos filhos de Deus, embora na diferença de ministérios e carismas. Por isso, todos somos chamados a participar na vida da Igreja e na sua missão”declarou o Papa Francisco no discurso durante o  Momento de reflexão do Início do Percurso Sinodal, em Roma, no passado dia 10 de outubro.
 

Como se processa essa “sinodalidade vivida” no seio da “Igreja doméstica” na família cristã, da família constituída por um homem e uma mulher unidos pelo sacramento do matrimónio com seus filhos que professam a sua fé em Jesus Cristo e estão comprometidos com os valores do Evangelho?
 

Todos são batizados vivem na família uma relação comunitária básica de comunhão. Enxertados em Cristo, nele participam da mesma vida da graça, inabitação e assistência do Espírito Santo. Os esposos enquanto tais têm a graça própria que os assiste na concretização familiar da sua vocação enquanto esposos e enquanto pais; os filhos enquanto membros dessa comunidade de amor, dessa Igreja doméstica fundada no sacramento. Nas circunstâncias concretas da vida familiar a que devem estar atentos, devem procurar a luz, escutar a orientação do Espírito Santo. Para essa escuta contribui a leitura e reflexão partilhada da Palavra de Deus e a oração a todos os níveis, pessoal, conjugal e familiar. Contribui também o diálogo entre todos pois o Espírito Santo a todos inspira de acordo com os seus dons e carismas. A atitude sinodal inclui a escuta do Espírito Santo acolhido como carisma, dom pessoal a ser partilhado pela comunidade aqui concretizada na família (Conf. Paulo, I Cor. 12, 4-7). O caminhar com a família exige a oração familiar na sua dimensão conjugal e familiar de abertura a Deus e partilha com o outro. A oração tem de ser verdadeira ou não é oração. É por isso que a oração conjugal é tão difícil: exige uma atitude de exposição total a Deus e ao outro. “Há uma coisa que nos une mais do que dormir juntos, é rezar juntos” – escreve Heinrich Böll, prémio Nobel da Literatura. A oração familiar coloca todos, pais e filhos, no mesmo plano perante Deus. Somos todos filhos de Deus, irmãos. Também aqui se impõe a mesma exigência de transparência e verdade. 
 

O “caminhar com” da vida familiar exige o diálogo contínuo, a coragem de enfrentar os problemas, antes de se transformarem em confrontos, ou mesmo que sejam confrontos, se encarem com uma intenção de esclarecimento, de responsabilização, de respeito pelo outro, de aceitação daquilo em que ele o completa. “Aquilo em que tu és diferente de mim completas-me” ou, como diz Saint-Exupéry, “Amar não é olhar um para o outro, é olhar juntos na mesma direção.” Esse diálogo torna-se imperativo nas relações familiares culturalmente consideradas como hierárquicas, as relações pais e filhos, as relações educativas. Os mundos dos pais e dos filhos são hoje muito diferentes. Para que a relação educativa seja eficaz e gere personalidades ajustadas exige-se um diálogo compreensivo que supere os extremos do autoritarismo e do indiferentismo, as patologias da obsessão e do abandono e, em vez de conflitos permanentes e oposições insanáveis gere relações saudáveis e cooperantes que ajudem todos a “caminhar juntos” e a “fazerem caminhos novos” pela vida no Amor da família.
 

Octávio Gil Morgadinho
Artigo da edição de novembro 2021 do Jornal da Família

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