No último domingo do passado novembro iniciámos o novo Ano Litúrgico e com ele o tempo de Advento, de preparação do Natal. O ano litúrgico tem sentido religioso, celebrativo, não se confunde com o ano civil dos calendários, pelo qual regulamos a atividade diária. “É uma estrutura ritual, na qual a totalidade da história da salvação, a saber o mistério de Cristo, nas suas diversas projeções temporais de passado, presente e futuro, se atualiza no período de um ano” (Augé, Matias, “Teologia do ano litúrgico” in O ano Litúrgico história teologia e celebração, S. Paulo, ed. Paulinas, p. 29). O ano litúrgico tem configuração cíclica que se repete todos os anos, projetando-se sobre as variações do ano civil a que corresponde. “O ano litúrgico atualiza no ‘hoje’ das celebrações em proveito dos fiéis os vários aspetos do único mistério de Cristo” (Ib.)
No Natal celebramos o nascimento de Jesus, o mistério da Incarnação. Deus fez-se homem, viveu entre os homens, “passou fazendo o bem”, mostrou-nos o caminho para chegarmos a Deus, deu a sua vida pelos homens, ressuscitou. O nascimento de Jesus tem uma dimensão histórica. Nesse sentido o Natal é sempre o mesmo. Refere-se a acontecimentos que ocorreram num tempo histórico real verificável embora nem sempre de identificação precisa. Os evangelhos apresentam dados para situar o nascimento de Jesus na história. Há outras referências históricas embora escassas. O nascimento de Jesus é um facto. O mistério da Incarnação é uma interpretação religiosa desse facto e apela para a fé. Os profetas alimentaram no povo de Israel a esperança dum enviado de Deus, o Messias. As narrativas do evangelho de S. Lucas e S. Mateus que antecipam e relatam o nascimento de Jesus identificam Jesus com esse Messias, o Filho de Deus (Conf. Lucas, cap. 1 e 2; Mateus, 1, 18-3, 23).
A celebração litúrgica atualiza no hoje da vida da Igreja não os acontecimentos que continuam a situar-se no passado mas o mistério, o seu significado, a sua eficácia salvífica que continua a operar-se através da comemoração do tempo e celebração litúrgica. Essa atualização incorpora elementos atuais da celebração, o tempo, as disposições pessoais e ambientais que interferem na participação da celebração. Neste sentido, cada Natal é diferente porquanto reflete o investimento pessoal ou comunitário e o contexto humano e social de cada celebração.
Para exprimir o mistério cristão a Igreja serve-se de palavras existentes na experiência e vocabulário comum de conteúdo simbólico aproximado ao sentido do mistério. “O termo ‘adventus’ tirado do vocabulário social vigente significa chegada, vinda, aniversário de uma chegada, assume o valor semântico de espera e de preparação. Esta palavra designou a princípio o nascimento do Senhor e o aniversário do seu nascimento, depois a preparação desse evento e enfim a espera dessa segunda vinda de Cristo” (Ib. Pag202)
A leitura da Carta a Tito (2, 11-13) da missa da Meia-Noite de Natal refere os dois adventos ou vindas de Cristo: “Manifestou-se a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens, ensinando-nos a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos, e a viver no mundo presente com toda a sobriedade, justiça e piedade [1ª. vinda], aguardando a bem-aventurada esperança e a manifestação gloriosa do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo” [2ª. vinda].
Entre a primeira e a segunda vinda de Cristo, entre o Natal e o fim do mundo, o Senhor da história está sempre a vir até nós na sua palavra, nos sacramentos, nos acontecimentos, na voz da consciência. Pelo seu Espírito, faz da nossa vida a sua verdadeira e permanente morada (Jo 14, 23). No Advento litúrgico esperamos a vinda de Jesus e preparamo-nos para ela. Podemos exprimir o significado do Advento em três tempos do verbo vir.
O Senhor Jesus “veio”, há dois mil anos. Nasceu em Belém, viveu como judeu do seu tempo, morreu e ressuscitou. Deixou-nos o seu Evangelho, a sua Igreja, a Eucaristia.
O Senhor Jesus “vem” hoje ao nosso encontro na sua Palavra, nos sacramentos, nos acontecimentos de cada dia. Convida cada um a segui-lo, a viver à sua maneira. É preciso estar atento, vigilante, disponível “sempre alerta” para o acolher e o servir nos nossos semelhantes.
O Senhor Jesus “virá” quando após esta vida formos ao seu encontro na eternidade para recebermos dele o louvor e a recompensa: “Vinde, benditos de meu Pai porque me recebeste bem nos outros homens que precisavam de ti”.
O Advento litúrgico é tempo de expetativa, de esperança, para bem receber Jesus que vem às nossas vidas, que aparece e se manifesta hoje na fé e na ação da sua Igreja.
O Natal, cada Natal mostra-nos que cada homem tem a dignidade de “filho de Deus” e como tal deve ser amado e respeitado. O Natal desafia-nos a tornar-nos semelhantes a Jesus na prática do amor e da justiça, fazendo o bem, construindo a paz.
Na Liturgia da Palavra do Advento deste ano – Ano A – sobressai sempre na primeira Leitura o profeta Isaías. “Isaías é o profeta do Advento. O seu ministério destina-se a alertar o povo de Israel para a vinda do Messias prometido, e para descrever o mundo depois da vinda do Messias. Embora estejamos próximos da celebração do nascimento do Messias no Natal, somos sempre um povo à espera. Esta é a razão por que as profecias de Isaías que nos acompanham através do Advento são promessas reais para o nosso futuro” (Salford Liturgy).
O Evangelho de S. Mateus refere ainda outro profeta contemporâneo de Jesus, o Precursor João Batista no começo da sua pregação no 2º Domingo (Mat 3, 1-12) e o envio dos seus discípulos a Jesus para confirmar a sua identificação (3º Domingo (Mat 11, 2-11).
Octávio Morgadinho
Artigo da edição de dezembro do Jornal da Família