O início deste ano tem-se revelado bastante agitado do ponto de vista social. Várias greves têm provocado alterações na vida das pessoas. A contestação, por parte de vários sectores da sociedade, tem vindo a subir de tom e não se vislumbra grande possibilidade de acalmia nos próximos tempos. As constantes notícias acerca de casos de má gestão da coisa pública estão, também, a gerar um crescente mal-estar. O ambiente social está verdadeiramente tenso.
Também a nível internacional se presente esta tensão. A guerra na Ucrânia não parece ter fim à vista, pelo contrário, os sinais que surgem são mesmo de uma certa escalada. A pandemia da Covid 19, ainda que numa fase muito distinta do que já vivemos, continua presente e a merecer atenção e cuidado. As notícias relativas a vários países europeus vão dando, com frequência, conta de situações de instabilidade social.
Bastam estas ideias gerais, que voltam a ter um tom bastante cinzento, para enquadrar aquilo que aqui quero partilhar e me parece ser um desafio cada vez mais importante de responder. Interrogo-me sobre o princípio que deve presidir à participação dos cidadãos na gestão e organização das nossas sociedades.
Sei bem que a maioria das pessoas não será chamada a desempenhar funções formais no governo e gestão das nossas sociedades, mas isso não implica que essas mesmas pessoas tenham de ser indiferentes a essa mesma gestão, pelo contrário, julgo que, nos nossos dias, é urgente uma nova intervenção e participação cívica. O envolvimento em movimentos de contestação, como os que estamos a assistir, é, sem dúvida, um modo de intervenção cívica que não pode ser ignorado, nem secundarizado, mas sinceramente não me parece que possa ser o único, nem sequer o mais importante.
Julgo que temos de desenvolver urgentemente outras formas de compromisso e participação na sociedade que, sem descurar os interesses e necessidades de cada um dos seus sectores, sejam capazes de abrir-se a outros horizontes.
Digo isto, sem colocar em causa a legitimidade dos movimentos a que estamos a assistir e reconhecendo como muitas das suas reivindicações são justas e até necessárias. Mas também não sou ingénuo a ponto de não reconhecer a presença de visões ideológicas de diversos sentidos nesses mesmos movimentos, visões que não podemos ignorar porque tendem, com frequência, a destacar só aquilo que mais lhes interessa, não procurando, por isso, desenvolver um olhar mais global e atento.
Por tudo isto estou cada vez mais convencido da importância que tem o princípio do bem comum. Já várias vezes fiz alusão, neste espaço, a este princípio, e volto a referi-lo uma vez mais, pois estou sinceramente convencido de que os desafios que enfrentamos só podem ser verdadeiramente respondidos tendo-o em conta. Por mais legitimas e razoáveis que sejam as reivindicações de cada sector social, não me parece ser possível procurar as melhores soluções se não estivermos genuinamente interessados e focados na procura do bem comum.
A maneira como se apresenta o bem-comum no pensamento social cristão – o melhor bem possível para todos e cada um -, parece-me, na verdade, ser uma maneira bem justa e adequada de fazê-lo. Quando percebermos que o melhor bem possível para todos é também o melhor bem possível para cada um, então estarão certamente reunidas as condições para conseguirmos construir sociedades que se preocupem com todos e cada um, sem privilegiar uns em detrimento de outros, mas dando, simultaneamente, a atenção necessária à situação concreta de cada um.
O papel da escola surge, neste contexto, com toda a relevância. De que serve ensinar às nossas crianças e jovens a história e as línguas que enquadram as nossas civilizações e ajudam a entender melhor a nossa cultura, de que serve capacitá-los com as mais diversas competências ao nível das mais variadas ciências, de que serve desenvolver as suas aptidões físicas e a sua sensibilidade para as diversas expressões artísticas, de que serve apurar a sua consciência ética, entre tantas outras coisas, se isto não for colocado ao serviço da construção de uma sociedade que possa promover a dignidade de todos?
Igualmente fundamental, como já várias vezes aqui tenho referido, é a importância das famílias. Também a elas cabe o papel de educar as jovens gerações nesta linha. A educação para uma cidadania ativa orientada pela procura do bem comum parece-me ser um dos contributos mais preciosos que são chamadas a dar. E não julgo que isso seja algo muito difícil de concretizar, pelo contrário, parece-me até algo bem em consonância com a própria experiência familiar, cujo cimento é também, como sabemos, a procura do bem para todos, sem nunca descuidar a atenção a cada um.
Juan Ambrosio
Artigo da edição de fevereiro do Jornal da Família