Habitualmente colocam-se duas alternativas em confronto: viver para trabalhar ou trabalhar para viver.
Colocada a questão nestes termos, seguramente que a grande maioria das pessoas escolheria a segunda hipótese, isto na condição dessa opção poder ser exercida sem constrangimentos.
Precisamos de tempo para a nossa vida pessoal e familiar, de outro modo estaremos condenados a viver para trabalhar.
A este propósito o psiquiatra Pedro Afonso, num artigo publicado no Jornal Observador, de 12 de setembro no ano transato, refere que “começam a surgir cada vez mais jovens (24-28 anos), com muito pouco tempo de atividade profissional, com depressões graves associadas ao excesso de carga horária (12-16 horas diárias). Para esta condição também contribui o ambiente permanente de stress no trabalho, fomentado pela pressão de prazos absurdamente curtos e pela obtenção rápida de resultados”.
Trata-se de uma realidade vergonhosa, que equipara estas jornadas de trabalho às que se praticavam no início do século XIX!
Estamos perante a “economia que mata”, nas palavras do Papa Francisco na Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho.
Diremos mesmo que mata literalmente, porquanto provoca, em muitas pessoas sujeitas ao stress laboral crónico, o Síndrome de Burnout com consequências nefastas que, a título exemplificativo, enumeramos:
- Reações psicológicas: ansiedade, pessimismo, perda de autoestima e depressão;
- Reações comportamentais: dificuldade de concentração, conflitos frequentes, demissão de responsabilidades e isolamento;
- Reações físicas: fadiga generalizada, hipertensão, perturbações do sono e dores musculares.
Torna-se claro que trabalhar para viver implica que a energia pessoal não seja delapidada por cargas horárias exorbitantes, mas, para além desse requisito, é relevante avaliar o clima social das organizações.
Como é sabido é possível, também, chegar a casa “esgotado” sem que, para tanto, tenha contribuído um horário de trabalho excessivo.
Assim acontece com aqueles que trabalham em organizações “autofágicas”, o que metaforicamente significa “comerem-se a si próprias”, porquanto desbaratam a energia dos seus colaboradores num conjunto de disfunções comportamentais que não sabem superar.
Vejamos, então, algumas das dimensões chave que devem ser adequadamente geridas em ordem a beneficiar o clima social:
- Gratificação pelo trabalho realizado: satisfação com as funções desempenhadas, tarefas/atividades adequadas às capacidades dos trabalhadores e reconhecimento pela sua prestação;
- Formação profissional: orientada para a melhoria do desempenho e para a progressão na carreira;
- Liderança: chefias credíveis que mereçam a confiança dos seus colaboradores, disponíveis para apreciarem sugestões que lhes sejam apresentadas e que fomentem a coesão das equipas evitando a emergência de rivalidades espúrias;
- Comunicação: fluidez nas três direções – descendente, ascendente e horizontal;
- Gestão de conflitos: considerar os conflitos como decorrência natural da interação humana, procurando geri-los, tanto quanto seja possível, através de estratégias ganhar-ganhar;
- Cultura de projeto por oposição a cultura de tarefa: o que implica partilha de valores como o empenhamento, a solidariedade, a confiança e a inovação.
Furtado Fernandes
j.furtado.fernandes@sapo.pt
Artigo da edição de março de 2023 do Jornal da Família