A família, bem decisivo para a Igreja e para o mundo

Filiação, fraternidade, maternidade/paternidade e conjugalidade são para Juan Ambrosio os eixos a partir dos quais se edifica o humano e estão na base da realidade familiar. Mas são também os eixos a partir dos quais se devem edificar as sociedades humanas e as comunidades cristãs.

Em pleno tempo pascal e em contagem descendente para as Jornadas Mundiais da Juventude, volto, novamente, a focar a minha atenção na própria experiência familiar. Procuro identificar nessa experiência dimensões que considero cada vez mais importantes para podermos responder aos desafios que enfrentamos como membros de uma única humanidade, da qual fazemos parte e na qual queremos ser protagonistas, mas também enquanto membros de uma comunidade crente que quer assumir o compromisso de contribuir para a transformação do mundo na linha do projeto de Deus para toda a humanidade.

Centro, para isso, o meu olhar nas relações familiares, destacando quatro tipos que, por configurarem de maneira significativa não só a realidade familiar como a própria realidade da existência humana, podem ser lugar para perceber melhor os desafios e encontrar os caminhos mais adequados para com eles lidar.

Começo por referir a relação da filiação. Nela descobrimos uma condição que todos partilhamos, pois na verdade todos somos filhos. Isto implica o reconhecimento de uma alteridade de origem, já que ninguém se dá o ser a si mesmo. Somos dom de outros. Nesta linha, julgo ser fácil perceber a relação estreita que há entre a experiência familiar e esta condição originária da condição humana, pois é na família que nos descobrimos como filhos e que aprendemos a sê-lo. Esta experiência tão nuclear da existência humana é verdadeiramente fundamental para o futuro da humanidade. Se todos somos filhos, se ninguém se dá o ser a si mesmo, então a vida não pode deixar de estar fundamentada na dinâmica da dádiva.

A segunda relação a que quero fazer referência é a relação de fraternidade. Nela descobrimos uma relação de iguais, que são igualmente diferentes, já que apesar de serem igualmente filhos os irmãos são diferentes. A fraternidade implica sempre uma responsabilidade pelo outro que é irmão, que está ao meu cuidado e de quem eu estou a cuidado. A fraternidade implica igualmente uma aprendizagem especial da nossa condição, já que quando o irmão surge devo aprender a viver como já não sendo o único filho, se bem que não deixe nunca de ser plenamente filho. Também neste contexto a experiência familiar se revela como antropologicamente significativa e fundamental, como base de uma fraternidade social e universal e mesmo como base da comunidade cristã.

A conjugalidade é o terceiro tipo de relações que quero destacar. Ninguém é humano sozinho, sem o ser no contexto de uma relação. Cada um (homem ou mulher) é igualmente humano e plenamente humano na sua diferença, sendo-o na sua relação com o outro diferente. A identidade pessoal de cada um resulta desta relação primordial entre diferentes, em que cada um se dá ao diferente e se recebe do diferente. Na base desta relação está a experiência de amor, que é o verdadeiro cimento da realidade familiar, não podendo também deixar de o ser da realidade social, nem da eclesial.

Finalmente quero destacar a relação da maternidade/paternidade. O ser humano não é só dom de outros, como é também dádiva a outros. Se na origem de cada um de nós está o dom, então talvez possamos compreender que a dádiva é igualmente a maneira mais apropriada de sermos fiéis à nossa condição. Dados e dantes (??), ainda que possa parecer estranho, é nesta dinâmica que se realiza a condição humana. Também a este nível a experiência familiar pode surgir como modelo estruturador das sociedades humanas e da comunidade cristã.

Apesar da brevidade com que foi feito, julgo que este exercício de olhar para as relações familiares nos pode ajudar a descobrir a importância fundamental que a diferença, a relação e o dom têm não só no contexto familiar, como também no contexto social e mesmo no eclesial. Os eixos a partir dos quais se edifica o humano e que estão na base da realidade familiar – ser a partir dos outros (filiação), ser com os outros (fraternidade/conjugalidade), ser para os outros (maternidade/paternidade) – são também os eixos a partir dos quais se devem edificar as sociedades humanas e as comunidades cristãs. Por isso, me parecem ser tão importantes na hora de respondermos aos desafios que enfrentamos.

Neste sentido, tem realmente toda a razão o papa Francisco quando no nº 31 da Amoris Laetitia afirma que “o bem da família é decisivo para o futuro da Igreja e do mundo.”

Juan Ambrosio
juanamb@ucp.pt
Artigo da edição de maio de 2023 do Jornal da Família

 

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