Nunca como agora eu compreendi o significado da expressão “Em verdade, em verdade vos digo”, tantas vezes proclamada por Jesus. Pois parece que nunca como agora – e por todo o lado – nunca se terá “mentido” tanto.
Mas é mentira este último período que acabo de escrever. Há muitos, muitos anos, na génese do mundo, quando havia paraíso e os animais falavam, já Adão e a Eva – os nossos “pais” –, mentiam a Deus na “Comissão de Inquérito” sobre o fruto proibido: Adão culpou a Eva, e esta culpou a serpente… E quem pagou (mais) as favas foi a serpente, que ainda hoje rasteja; mas o juiz – Pessoa justa – também penalizou o casal, pois os seus descendentes ainda hoje penam… Que pena!
Como este quadro simbólico – extraordinário! – apresentado pelo autor sagrado, há tanto tempo, retrata tão bem o que hoje se passa no nosso “paraíso”! E como se esta cena triste não fosse suficiente, passado uns anitos Caim mata Abel… E como se isto ainda não bastasse, passado mais uns anos o homem de confiança do Filho de Deus – Pedro – traiu o Mestre, mentindo (pelo menos) três vezes!
Ao verem Ricardos, Josés, Fredericos, Pedros, Joões, Hugos, Antónios (e muitos outros) a falar e a “meter as mãos pelos pés”, os puros costumam dizer “no meu tempo não era assim”. E já estão a mentir, porque no seu tempo também era assim…
Só que antigamente não havia CMTV, nem CNN, nem SIC notícias, nem redes sociais… Hoje, tudo parece ser mais “transparente”, não para se valorizar a verdade, mas para se venderem notícias, aumentarem audiências e deitar abaixo adversários políticos ou gente que põe em causa o politicamente correto.
E não tenhamos ilusões: também na Igreja há mentiras, omissões, encobrimentos, fingimentos, obscuridade. Prega-se a verdade, mas, aqui e ali, falta a transparência, a autenticidade… Também os cristãos mentem… Até os pais cristãos… Não, não são só as mentiras piedosas, também são as outras… Ou estarei a exagerar?
No meio de tanta mentira e de meias-verdades de adultos – e de adultos com alta responsabilidade –, como educar os filhos para a verdade? Se fosse fácil, depois de tantos avisos e sinais e insistências do nosso Deus, (pelo menos desde há uns 3000 e tal anos), e de tantas constituições e legislação e tribunais, o problema estava resolvido. Mas não está. E só se vai resolvendo se cada um de nós (não os outros) procurar ser verdadeiro, autêntico, fiel à sua palavra. E se errar, assumir o erro, arrepender-se, converter-se e, se necessário, cumprir a “penitência”. “Reconstruir a verdade dá muito trabalho”, como há tempos alguém dizia, mas eu acrescento que vale a pena.
Voltemos à questão de fundo: como educar os filhos para a verdade? A resposta é simples, embora o seu cumprimento difícil: os pais (e os restantes educadores) darem testemunho da verdade. Sempre. Não, não, as “mentiras piedosas”, por mais inocentes que sejam, também contam (e em nada ajudam)…
Mas que desilusão! Como frágeis e limitados que somos, ninguém consegue ser autenticamente verdadeiro. Mas, ao menos, tentemos. E transmitamos aos nossos filhos este princípio (e as dificuldades para o cumprir) porque, como Cristo nos disse, só a verdade nos tornará livres (Jo 8, 32). Ou seja, só almejando a verdade conseguimos ser “felizes”.
Atentemos, no entanto, a um pormenor importante (ou seja, a um “porMaior”): perante o mesmo acontecimento, podemos ter versões diferentes, pois vemo-lo segundo o nosso olhar, distinto dos demais. Portanto, o facto de os nossos filhos contarem uma versão diferente da de um colega ou até mesmo da de um adulto, não significará, obrigatoriamente, que está a faltar à verdade.É esta arte do discernimento que também é exigida aos pais e restantes educadores, a fim de evitarem injustiças. Uma arte que exige de todos nós, adultos, ciência e paciência, conhecimento do outro, disponibilidade. E critérios de vida muito sólidos. E também muita fé.
Para nos animarmos, termino com estas palavras confortantes do Papa Francisco: “Não tenhamos medo de sermos verdadeiros, de dizer a verdade, de sentir a verdade, de nos conformar à verdade. Assim poderemos amar”.
Jorge Cotovio
jfcotovio@gmail.com
Artigo da edição de junho de 2023 do Jornal da Família