1 – Um novo conceito
Tradicionalmente considerava-se inteligente quem demonstrava capacidades cognitivas que se traduzem em atributos como raciocínio lógico, rigor na análise dos problemas, pragmatismo na procura de soluções preparadas pelo exercício minucioso de tarefas de organização e planeamento.
Sem pretendermos desvalorizar estes predicados – obviamente importantes para se lograrem resultados consistentes – verificou-se que eles não abrangiam um outro tipo de faculdades, as que relevam para o saber ser.
É, neste contexto e para este efeito, que, sobretudo a partir dos anos 90 do século passado, emerge o conceito de Inteligência Emocional (I.E.), definida como a capacidade de identificar os nossos próprios sentimentos e os dos outros, de nos motivarmos e de gerir bem as nossas emoções quer a nível intrapessoal quer interpessoal (Goleman).
O Papa Francisco, na exortação Apostólica A Alegria do Amor, remete-nos para a I.E., quando afirma “na família, «é necessário usar três palavras: com licença, obrigado, desculpa. Três palavras-chave». «Quando numa família não somos invasores e pedimos “com licença”, quando na família não somos egoístas e aprendemos a dizer “obrigado”, e quando na família nos damos conta de que fizemos algo incorreto e pedimos “desculpa”, nessa família existe paz e alegria» ”.
Ora, é esta arte de estar bem consigo e com os outros, que constitui o grande objetivo da I.E., o que pressupõe o desenvolvimento da Inteligência Intrapessoal e da Inteligência Interpessoal.
2 – Inteligência Intrapessoal
- Autoconhecimento, compreender as dinâmicas da sua personalidade em ordem a potenciar os seus pontos fortes e mitigar os seus pontos fracos;
- Controle emocional, assumir que não é possível gerir as emoções – seja a alegria, o medo, a tristeza ou a irritação – sem primeiro ter consciência delas. Nem sempre isto acontece – é o caso de alguém que tem, genuinamente, medo, mas reage como estando irritado.
Quando a emoção genuína é, por exemplo, a irritação, então há que saber geri-la adequadamente,
isto é: “irritar-se com a pessoa certa, na medida exata, no momento oportuno e de modo correto” (Aristóteles, Ética a Nicómaco); - Automotivação, comprometer-se com uma missão que supere a “prisão egótica”. Este é um poderoso estímulo para a prossecução, com tenacidade, dos objetivos dela decorrentes. Se assim não for, ficaremos sujeitos aos ditames de um conhecido aforismo – “quem navega sem destino nenhum vento é favorável”.
3 – Inteligência Interpessoal no domínio das relações conjugais
- Reconhecer as expectativas, necessidades, sonhos e valores do cônjuge, exercitando a técnica da pergunta aberta e do “feedback” oportuno;
- Sintonizar-se com as emoções expressas pelo outro cônjuge;
- Recorrer à cultura do agradecimento, como técnica de reforço dos comportamentos positivos;
- Aceitar ser influenciado pelo cônjuge, criar sinergias resultantes das diferenças pessoais e fomentar o ganhar-ganhar na gestão dos conflitos;
- Não falar sobre a relação em situações de tensão emocional – não esquecer que as reações fisiológicas desencadeadas pelo stress negativo bloqueiam o acesso aos recursos cognitivos: capacidade de análise, realismo, sensatez;
- Desenvolver um projeto de casal – construção do nós, compatibilizando os sonhos recíprocos e criando, progressivamente, uma ambição suportada em valores partilhados.
Furtado Fernandes
j.furtado.fernandes@sapo.pt
Artigo da edição de junho de 2023 do Jornal da Família