Em recente entrevista ao canal norte-americano Telemundo (25 de maio de 2023), o Papa Francisco apontou como objetivos prioritários do seu pontificado a “crescente inclusão dos leigos” na tomada de decisões e a “desclericação” da Igreja. Basta seguir as suas intervenções, as mais solenes e as mais casuais, para nos apercebermos da importância que concede a estas preocupações. Salientamos a recente celebração do Pentecostes e as intervenções respeitantes ao processo sinodal 2021-2024 em curso.
No Pentecostes, Francisco dá relevo ao pormenor da narrativa evangélica que refere a aparição de Jesus ressuscitado, na tarde de domingo, “estando fechadas as portas do lugar onde estavam os discípulos por medo dos judeus” (Jo, 20, 19) para lembrar que o medo fecha a Igreja em si mesmo, impedindo a ação libertadora do Espírito. “O Espírito Santo “liberta das prisões do medo”. Dá coragem aos Apóstolos para anunciar Jesus ressuscitado e enfrentar a perseguição (Conf Alocução do Regina coeli e Homilia, 28.05.2023).
O Concílio Vaticano II ao definir a Igreja como Povo de Deus pôs de manifesto que a sua porta de entrada é o batismo. O batismo é a condição comum do de todos os membros do Povo de Deus e o ponto de partida para a diversificação das suas funções. No povo de Deus, povo sacerdotal, Sacerdócio batismal e sacerdócio ministerial ordenam-se um para o outro e complementam-se. “Lembrem-se, porém, todos os filhos da Igreja que a sua sublime condição não é devida aos méritos pessoais, mas sim à especial graça de Cristo; (LG 14). Os leigos são membros ativos do Povo de Deus, “participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo, exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o Povo cristão na Igreja e no mundo”.(LG 31).
O Sínodo 2023 em curso pretende tornar operativo, no atuar contínuo da Igreja, aquilo que o Concílio Vaticano atribui à natureza da Igreja sob a direção invisível do Espírito Santo. O Sínodo pretende, desta forma, abrir a Igreja à permanente escuta do Espírito. Não é um processo reivindicativo, nem uma catarse individual ou social da Igreja, é uma atitude de escuta, de atenção aos sinais do Espírito na atuação da Igreja, de toda a Igreja, comunidade de batizados, de acordo com a sua missão e carismas próprios.
“Cada batizado é chamado a participar ativamente na vida e missão da Igreja, a partir da especificidade da própria vocação, em relação às outras e aos demais carismas, dados pelo Espírito para o bem de todos. Precisamos de comunidades cristãs em que o espaço seja alargado, onde todos possam sentir-se em casa, onde as estruturas e os meios pastorais favoreçam não tanto a criação de pequenos grupos, como a alegria de se sentir corresponsáveis” Papa Francisco, Encontro com os referentes da Conferência Episcopal Italiana para o caminho sinodal (25.05.2023).
A missão que o Papa Francisco assinalou é a de contribuir para este dinamismo da Igreja total que se edifica continuamente com o contributo próprio de todos os seus membros, de acordo com os seus dons e vocação. Não pode haver membros passivos ou inúteis na Igreja.
Neste contexto “o clericalismo é uma perversão, e o bispo, o sacerdote clerical é perverso, mas o leigo e a leiga clerical são-no ainda mais”(Ib.). O clericalismo é autorreferencial: vê a Igreja em função de si próprio, em função da sua parte, em vez de olhar para o todo e construir a Igreja com a contribuição que lhe é própria numa atitude de serviço.
“O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, embora se diferenciem essencialmente e não apenas em grau, ordenam-se mutuamente um ao outro; pois um e outro participam, a seu modo, do único sacerdócio de Cristo (16). Com efeito, o sacerdote ministerial, pelo seu poder sagrado, forma e conduz o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico fazendo as vezes de Cristo e oferece-o a Deus em nome de todo o povo; os fiéis, por sua parte, concorrem para a oblação da Eucaristia em virtude do seu sacerdócio real (17), que eles exercem na receção dos sacramentos, na oração e Ação de graças, no testemunho da santidade de vida, na abnegação e na caridade operosa” (LG 10).
O Sínodo 2023 pretende dinamizar esse processo contínuo do caminhar juntos em Igreja na escuta e colaboração mútua. “O Povo de Deus, para estar cheio do Espírito, deve caminhar em conjunto, fazer sínodo. Assim se renova a harmonia na Igreja: caminhar juntos, tendo no centro o Espírito. Irmãos e irmãs, construamos harmonia na Igreja!” (Francisco, Homilia do Pentecostes (28.05.2023).
Octávio Morgadinho
Artigo da edição de julho de 2023 do Jornal da Família
Foto: Conferência Internacional dos Presidentes e Referentes das Comissões Episcopais para os Leigos (fevereiro 2023)