É nossa convicção profunda que precisamos de valores que resistam à usura do tempo e às contingências das circunstâncias. São eles que nos dão energia para encararmos com esperança as vicissitudes da vida e os desafios da condição humana. Prosseguir estes valores é, sempre, um exercício de liberdade na superação do egoísmo.
O relativismo alimenta a desconfiança cujo corolário é o conhecido modelo do “salve-se quem puder”, característica determinante do que o Papa Francisco apelida como cultura do descarte.
O Santo Padre “critica com veemência essa cultura do descarte que se tornou hegemónica no nosso mundo, porque fragiliza a dignidade sublime de todas as pessoas, tese central da Doutrina Social da Igreja. Descartar um ser humano pelo seu poder de compra, pela cor da sua pele, pela sua condição social, religiosa ou económica, ou, simplesmente, pelas suas crenças ou ideias é sucumbir à cultura do descarte” (Francesc Torralba, Dicionário do Papa Francisco).
A confiança é, seguramente, um antídoto indispensável contra este “vírus” ao radicar-se numa atitude existencial positiva, projeta-se em várias dimensões das nossas vivências das quais destacamos duas:
1 . Confiança nas instituições
Naturalmente que os titulares de cargos públicos têm, em primeiro lugar, a responsabilidade indeclinável de os exercerem com probidade ao serviço dos cidadãos, de modo a granjearem a sua confiança.
Sabemos os atropelos que em Portugal, como noutros países, têm sido cometidos a este princípio basilar. Tais situações devem ser, obviamente, denunciadas com toda a assertividade, contudo não nos podemos esquecer que só em democracia se pode criticar livremente. Um dia disse, com toda a propriedade, Winston Churchill que “a democracia é o pior dos regimes à exceção de todos os outros”.
O extremismo utiliza as “fake news” para semear a descrença e gerar o ódio, os seus agentes – utilizando a designação certeira de Giulano Da Empoli – são os “engenheiros do caos”.
“As pessoas sempre tiveram opiniões diferentes. Agora têm factos diferentes. Ao mesmo tempo, numa esfera informativa sem autoridades – políticas, culturais, morais – e sem fontes de confiança, não é fácil estabelecer a distinção entre teorias da conspiração e histórias verdadeiras. Narrativas falsas, facciosas e, muitas vezes, deliberadamente enganadoras propagam-se agora em fogos digitais incontroláveis, falsidades em catadupa que se movem demasiado rápido para que os verificadores de factos as consigam acompanhar” (Anne Applebaum, O Crepúsculo da Democracia);
2. Confiança na família
É inquestionável que a família é a célula base da sociedade.
Desta expressão decorre que a coesão das famílias é, não só um valor que se projeta na esfera privada, mas, também, um bem público.
Se há uma crise de confiança nas famílias – sustentáculo das outras instituições – é maior a tendência para a polarização social que alimenta o radicalismo e a tribalização.
A solidariedade é um fruto da confiança que deve ter na família a sua escola de eleição. Desenvolver uma conjugalidade sadia – aquela que não aliena o compromisso – é o melhor presente que os pais podem dar aos filhos.
“A opção pelo matrimónio expressa a decisão real e efetiva de transformar dois caminhos num só, aconteça o que acontecer e contra todo e qualquer desafio. Pela seriedade de que se reveste este compromisso público de amor, não pode ser uma decisão precipitada; mas, pela mesma razão, também não pode ser adiado indefinidamente. Comprometer-se de forma exclusiva e definitiva com outrem sempre encerra uma parcela de risco e de aposta ousada. A recusa de assumir um tal compromisso é egoísta, interesseira, mesquinha; não consegue reconhecer os direitos do outro e não chega jamais a apresentá-lo à sociedade como digno de ser amado incondicionalmente. Aliás, aqueles que estão verdadeiramente enamorados tendem a manifestar aos outros o seu amor” (Papa Francisco, A Alegria do Amor).
Furtado Fernandes
j.furtado.fernandes@sapo.pt
Artigo da edição de agosto/setembro de 2023 do Jornal da Família