Quando este número do Jornal da Família chegar à mão dos nossos queridos leitores já todo o ambiente à nossa volta nos fala do natal. Digo isto porque quando o escrevo, 21 de novembro, já esses sinais são bem visíveis. Em muitas localidades até já foram formalmente inauguradas as iluminações das ruas. Também na televisão já se nota, os filmes centram-se mais nessa temática e os anúncios, de uma maneira mais evidente e abundante, surgem com convites à compra de novos produtos. As festas e celebrações de natal multiplicam-se e seremos poucos aqueles que não participarão em várias mesmo muito antes do dia 24 de dezembro.
Ao fazer esta referência quero chamar a atenção para duas coisas. A primeira, para destacar algo que é evidente e que se traduz pelo forte apelo ao consumo. Se não tivermos cuidado, facilmente embarcamos nessa atitude, uma vez que são tantas e tão sedutoras as propostas que nos fazem. Ao fazer isto podemos mesmo incorrer no perigo de ir desvirtuando aquilo que consideramos ser o espírito natalício mesmo quando olhado a partir de perspetivas não explicitamente cristãs. É, pois, preciso prestar atenção para não entrarmos na voracidade do consumo. Também a este nível e neste tempo, porventura até de um modo mais evidente, temos de ter bem presente a necessidade de mudar de estilos de vida adotando a sobriedade como critério.
A este propósito parece-me muito importante relembrar o que nos foi proposto no nº 123 da Laudato si’:
“A sobriedade, vivida livre e conscientemente, é libertadora. Não se trata de menos vida, nem vida de baixa intensidade; é precisamente o contrário. Com efeito, as pessoas que saboreiam mais e vivem melhor cada momento são aquelas que deixam de debicar aqui e ali, sempre à procura do que não têm, e experimentam o que significa dar apreço a cada pessoa e a cada coisa, aprendem a familiarizar com as coisas mais simples e sabem alegrar-se com elas. Deste modo conseguem reduzir o número das necessidades insatisfeitas e diminuem o cansaço e a ansiedade. É possível necessitar de pouco e viver muito, sobretudo quando se é capaz de dar espaço a outros prazeres, encontrando satisfação nos encontros fraternos, no serviço, na frutificação dos próprios carismas, na música e na arte, no contacto com a natureza, na oração. A felicidade exige saber limitar algumas necessidades que nos entorpecem, permanecendo assim disponíveis para as múltiplas possibilidades que a vida oferece.”
Tendo isto bem presente julgo também ser muito importante não diabolizar, sem mais, a preocupação e o cuidado que temos em comprar e partilhar algo com os nossos amigos e familiares. Essa atitude pode ser, e tantas vezes o é, tradução da atenção e do carinho para com o outro. Que cada pessoa se preocupe em encontrar aquela prenda concreta para aquela pessoa concreta, é algo que não posso deixar de destacar como muito positivo, porque tem como fundamento o dom e o cuidado do outro, e estas dimensões são bem distintivas deste tempo. Para nós cristãos o natal é claramente concretização do dom de Deus para a humanidade, bem como do seu cuidado. Se neste tempo as pessoas estão mais sensíveis e atentas aos outros, estando igualmente mais disponíveis para viver a ternura, a generosidade e o dom, então julgo que não devemos deixar de valorizar isso, mesmo que os motivos que sustentam essas atitudes não sejam, para muitos, reconhecidos como explicitamente cristãos.
Voltando ao texto anteriormente citado como seria bom se neste tempo festivo nos abríssemos às múltiplas possibilidades que a vida nos oferece procurando traduzir o dom e o cuidado a que me tenho referido em gestos e atitudes que sejam capazes de conter e expressar o que pretendemos simbolizar com as ‘prendas tradicionais’. Como seria bom se em família pudéssemos encontrar um gesto, uma atitude capaz de fazer Natal no meio de tantos para quem a solidão pesa ainda mais nestes dias. Se pararmos um pouco para pensarmos nisto, para rezarmos isto, certamente a nossa criatividade será interpelada e seremos capazes de encontrar essas formas para, com sobriedade, mas com muita intensidade, celebrarmos o Mistério para que o Natal nos abre.
Juan Ambrosio
juanamb@ucp.pt
Artigo da edição de dezembro de 2023 do Jornal da Família