Silêncio, por favor!

Os “ruídos de um mundo anónimo” são o tema de reflexão de Ana Medina sobre a quantidade de informação que nos chega sem que a “tenhamos pedido”.

Ah, tempos estes em que, mesmo sem desejarmos, nos entram pelos olhos e ouvidos lampejos e ruídos de um mundo anónimo que nos deseja influenciar, guiar, ajudar, ou inquietar, mobilizar para onde quer que seja, sem que o tenhamos pedido!

A intrusão da informação tem o impacto inverso da presença aceitante na proximidade relacional, ou do moroso caminho de busca de sentido profundo para a vida em todas as suas dimensões e aprendizagens.

Mas talvez por instantes essas mensagens que nos entram pela vida mental adentro sirvam de estímulo para recuarmos sobre os nossos vazios, inseguranças, culpabilidades, solidões e, em troca de um eco de identificação com os nossos automatismos, ficarmos mais propensos a aderir a ideias e produtos apresentados: “as dez regras para se ser boa pessoa”, “o que uma boa mãe deve fazer”, “como ter sucesso no trabalho”, “a melhor dieta do ano”…. E nem nos sentimos insultados com essa postura paternalista que nos remete para o lugar de incapazes de fazer a nossa vida sem o apoio dessa nova moral psicológica ou social que nos é apresentada.

Somos entupidos de saberes antes de ter nascido a curiosidade, de sugestões de como ser pessoa antes de sentirmos a angústia existencial, de treinos antes de termos ousado experimentar e falhar, de soluções antes de sabermos que havia um problema para nos fazer crescer… Antes de abrir a boca já lá está a colher de papa, sem o intervalo de reconhecimento eu-outro, dar-receber, sem a coragem de não saber e ainda assim confiar!

E tanta informação satura, cansa, acumula-se morta porque não é atenção presente, compreensão partilhada, descoberta sempre nova de sintonia do que somos com a Vida!

Quase ousava dizer que muitos desses presentes verbais ou imagéticos são apenas projeções dos desejos de outros de serem acolhidos, escutados, de terem o poder de influenciar alguém, de serem aplaudidos e, mesmo se com boas intenções, desajeitadas tentativas de melhorar a vida dos outros.

Onde está o silêncio? Onde se demora o afeto? Onde se partilha o desconhecido desta aventura que é viver? Onde se constrói a compreensão? Onde se derramam as lágrimas de ternura ou de dor ou de ambas ao mesmo tempo?

Pôr os olhos no Alto e não ver nada, mas sentir-se verdadeiramente visto! Calar-se na noite e ser verdadeiramente escutado! Ah, que maravilha de Vida que se encontra no Silêncio!

Ana Medina
Psicóloga e Professora
Artigo da edição de fevereiro de 2024 do Jornal da Família

Partilhar:

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn
Relacionado

Outras Notícias

Meu ‘querido’ telemóvel

O arranque do ano letivo voltou a lançar a preocupação sobre o uso do telemóvel nas escolas. O Governo recomendou a sua proibição no 1.º e 2.º ciclos. Para Jorge Cotovio o telemóvel veio para ficar e o “essencial será os pais educarem os filhos para a utilização racional e equilibrada do telemóvel”.

Ler Mais >>

Aspetos Gerais da Saúde em Portugal

João M. Videira Amaral é médico-pediatra e professor catedrático jubilado da Faculdade de Ciências Médicas da Nova Medical School, da Universidade Nova de Lisboa. É o mais recente colaborador do Jornal da Família e ao longo das próximas edições vai escrever sobre alguns dos aspetos da Saúde em Portugal na rubrica intitulada “Crónicas da Saúde”.

Ler Mais >>

Loreto – A vida quotidiana da Sagrada Família

O Santuário da Santa Casa de Loreto, na região de Marche, em Itália, é o local onde, segundo a tradição, o Anjo anunciou a Maria a maternidade divina e onde viveu a Sagrada Família de Nazaré. A história é contada por Cristiano Cirillo em mais uma rubrica sobre a beleza da espiritualidade em viagem.

Ler Mais >>

Fé católica e saúde mental

Como pode a Igreja dar o seu contributo para a saúde mental. O tema é trazido a reflexão por Murillo Missaci no contexto da sinodalidade que aposta numa Igreja que caminha com todos.

Ler Mais >>

O elogia da leitura

Há vida para além dos ecrãs. Devem ser usados com “conta, peso e medida”, sobretudo pelas crianças onde o brincar e a leitura devem ter o seu espaço. A reflexão de Furtado Fernandes.

Ler Mais >>