Para que serve a fé? A pergunta pode parecer estranha e para muitos até pode soar mal, mas a verdade é que ela, formulada deste modo ou mais provavelmente de outros, acaba sempre por ser colocada, mesmo que não seja de uma maneira explícita.
Se pensarmos bem, a pergunta torna-se até necessária se quisermos assumir a fé em todas as suas dimensões e implicações.
É verdade que para assumirmos as coisas não temos de reduzir tudo à nossa razão e à nossa capacidade de entender. Por vezes, mesmo, o querer compreender tudo pode imobilizar-nos impedindo-nos de tomar decisões que, de uma maneira ou de outra, sabemos necessárias. Aliás, se tivéssemos de compreender tudo no âmbito da fé para podermos assumir essa atitude, a verdade é que jamais a assumiríamos, pois a fé abre-nos sempre para uma realidade que não pode ser reduzida à nossa capacidade de conhecer. Se assim fosse, temos de concordar que a fé correria o risco de ser demasiado pequena e de horizontes muito curtos, porque claramente limitada às nossas capacidades.
Mas dito isto, temos de afirmar com toda a clareza que aquilo que não é minimamente assumido e entendido pela nossa inteligência, acaba por não marcar, de verdade, a nossa vida, ou se a marca, acaba por fazê-lo de uma maneira que não somos minimamente capazes de controlar. Sem se reduzir à nossa capacidade de entendimento a fé tem, no entanto, que ser pensada e refletida. Só assim, julgo eu, pode estar verdadeiramente à altura do ser humano, porque percebemos como pode marcar e influenciar o nosso viver; e também só assim pode estar à altura de Deus, porque percebemos que ela não se esgota nas nossas possibilidades, mas é dom recebido por parte daquele que gratuitamente nos ama.
Só neste encontro entre o dom que nos é dado gratuitamente, e do qual não somos donos, e a resposta livre, que nos compromete, pode a fé impactar na nossa vida e na nossa história transformando-as e abrindo-as a novos horizontes e possibilidades.
E é exatamente para destacar esta realidade que sublinho a importância da pergunta. É que a fé cristã, para verdadeiramente ser fé e ser cristã, não pode ficar reduzida a uma mera afirmação intelectual, ou a uma declaração de princípios, tendo de ser antropologicamente significativa, ou seja, tem de marcar de um modo significativo e concreto o viver daqueles que se dizem crentes. Na verdade, todos sabemos como a não concretização desse significado acaba por fragilizar a própria fé: afinal porque não se distinguem no seu modo de viver aqueles que se dizem cristãos? Todos sabemos, igualmente como esta interrogação nem sempre, infelizmente, é injusta e desprovida de sentido.
Se a pergunta que encabeça estas linhas acaba por revelar-se importante, a resposta que lhe dermos não o será, certamente, menos. Dela depende também, e disso estou cada vez mais convencido, o futuro que queremos construir como comunidade humana. Neste ano de 2024 teremos certamente muitas oportunidades para, de um modo concreto, dar essa resposta.
Juan Ambrosio
juanamb@ucp.pt
Artigo da edição de fevereiro de 2024 do Jornal da Família