O futuro, responsabilidade de todos

Como podemos ser protagonistas da construção de um país diferente? Juan Ambrosio dá-nos algumas pistas num artigo que junta dois acontecimentos improváveis à primeira vista: o exercício do voto e o tempo quaresmal.

Neste exercício de escrita quero cruzar dois acontecimentos que, à primeira vista, parecem não ter nada a relacioná-los. Refiro-me, por um lado, ao tempo quaresmal e, por outro, a toda a dinâmica relacionada com as eleições legislativas do dia 10 de março. Quando o Jornal chegar à mão dos leitores estas já terão acontecido e nós já saberemos os resultados, mas não creio que isso altere o que aqui quero partilhar.

Começo pelas eleições. Como todos sabemos, apanharam-nos um pouco de surpresa, pois há pouco tempo nada fazia prever a sua realização. Mas elas aí estão, pelos motivos que também todos sabemos, e exigindo a nossa atenção cuidada. O número de apelos a uma participação consciente neste ato é disso sinal evidente. As Notas do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), de 19 de fevereiro, e da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP), de 22 de fevereiro, também dessa atenção e cuidado são testemunhos.

Na nota do Conselho Permanente da CEP, com o título Eleições Legislativas 2024: Restituir a esperança aos cidadãos, afirma-se:

“A responsabilidade é de todos, dos políticos e de quem os elege, dos que definem projetos e de quem faz escolhas, daqueles que apresentam propostas e de quem se preocupa em delas ter conhecimento para votar conscientemente. Escolher quem nos representa no Parlamento é um dever de todos e ninguém deve excluir-se deste momento privilegiado para colaborar na construção do bem comum. A abstenção não pode ter a palavra maioritária nas eleições do próximo dia 10 de março.”

E na conclusão da Nota podemos mesmo ler: “Votar, de forma esclarecida e em consciência, é uma responsabilidade que decorre da vivência concreta da nossa fé no meio do mundo.”

Também a Nota da CNJP, intitulada Um voto pelo País que queremos, apela à participação de todos os cidadãos, afirmando:

“As eleições são uma oportunidade para cada um de nós decidir sobre os destinos do país e participar no exercício do poder. O voto é um dever e um direito conquistado que permite expressarmos o nosso compromisso com o bem comum. Portanto, não deve ser visto como um hábito ou motivado pelo desânimo, descrédito ou animosidade, mas deve ser livre, consciente, responsável e com um horizonte de esperança.

Através deste gesto contribuímos para a construção do país que queremos, uma vez que a passividade e a abstenção em nada contribuem para a construção de um futuro melhor.”

Igualmente na conclusão da Nota se diz “todos somos co-construtores do país que queremos e através do nosso voto expressamos a nossa visão e os nossos valores.”

Da leitura destes textos não é difícil perceber a relação que podemos encontrar entre o exercício do voto e a vivência concreta da fé cristã, sendo precisamente aí que eu vou buscar o tempo quaresmal anteriormente referido.

Na mensagem do Papa Francisco para esta Quaresma não encontramos, nem isso seria de esperar, nenhuma referência às eleições portuguesas, mas isso não nos impossibilita de nela reconhecer importantes contributos para o momento particular que estamos a viver no nosso País. É nesse sentido que leio a referência ao chamamento para a liberdade, que não deve ser reduzido a um mero acontecimento, mas é amadurecido ao longo dum caminho, a partir de novos critérios de juízo, exigindo a leitura da realidade e a escuta do grito de tantas irmãs e irmãos oprimidos.

Tempo de parar, para depois poder agir de um modo mais consistente, tempo de conversão e decisões pessoais para não voltar a cair nas escravidões, tempo de decisões comunitárias, tempo de pequenas e grandes opções, muitas vezes em contra corrente, capazes de modificar a vida quotidiana das pessoas e das coletividades, por ser tempo propício a isto tudo, a Quaresma é também tempo para repensar os estilos de vida. Por isso, o que fizermos a este nível, neste tempo, certamente marcará o modo como formos capazes de ser protagonistas da construção de um país diferente.

O parágrafo final desta mensagem que até faz referência ao nosso País, bem que nos poderá servir de guia nas tarefas que temos pela frente:

“Na medida em que esta Quaresma for de conversão, a humanidade extraviada sentirá um estremeção de criatividade: o lampejar duma nova esperança. Quero dizer-vos, como aos jovens que encontrei em Lisboa no verão passado: «Procurai e arriscai; sim, procurai e arriscai. Neste momento histórico, os desafios são enormes, os gemidos dolorosos: estamos a viver uma terceira guerra mundial feita aos pedaços. Mas abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto; não no fim, mas no início dum grande espetáculo. E é preciso coragem para pensar assim». É a coragem da conversão, da saída da escravidão. A fé e a caridade guiam pela mão esta esperança menina. Ensinam-na a caminhar e, ao mesmo tempo, ela puxa-as para a frente.”

Juan Ambrosio
juanamb@ucp.pt
Artigo da edição de março de 2024 do Jornal da Família

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