«A reforma dos urinóis»

O projeto lei que estabelece o quadro jurídico para criar condições nas escolas para garantir “o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa” não foi promulgado pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Mas Jorge Cotovio acredita que “mais ano menos ano” irá ser aprovado, por isso apela ao esclarecimento das gerações mais novas nesta matéria.

O título – algo estranho e pouco canónico – não é da minha autoria, mas sim de Santana Castilho, num artigo publicado em 3 de janeiro último, no jornal Público. Mas adoto-o porque sintetiza lindamente a confusão gerada pela aprovação, a 15 de dezembro de 2023, do Projeto de Lei n.º 332/XV, que “estabelece o quadro jurídico para a emissão das medidas administrativas que as escolas devem adotar para efeitos da implementação do disposto no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, que estabelece o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa”.

Este projeto de lei, tal como a Lei n.º 38/2018 que atualmente vigora, tem subjacente a conhecida “ideologia de género”, fazendo crer que somos homens ou mulheres não na base da dimensão biológica em que nascemos, mas nos tornamos tais de acordo com o processo de socialização, ou seja, a “cultura” onde estamos inseridos, desconstruindo conceitos, estruturas (entre as quais a família), práticas e costumes, e procurando anular as diferenças naturais entre o homem e a mulher (assunto que o Papa e os nossos bispos tanto têm alertado).

Em novembro de 2019, já eu tive oportunidade de escrever neste jornal sobre esta questão, comentando a regulamentação da Lei n.º 38/2018, através do Despacho n.º 7247/ 2019.  E agora volto à carga, porque esta ideologia, bem acolhida no governo da geringonça, é imparável e dificilmente reversível.

No fundo, este projeto de lei exige que as escolas garantam condições que permitam a um aluno que manifeste “uma identidade ou expressão de género que não corresponde à identidade de género à nascença” (ou seja, que não se aceite como rapaz ou rapariga que fisicamente é), entre outras coisas, “aceder às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade”. Ou seja, um aluno do sexo masculino, mas que se assume do género feminino, poderá, ao abrigo deste diploma, despir-se e vestir-se e tomar banho no balneário das raparigas ou simplesmente utilizar os urinóis/ sanitários das raparigas sempre que necessitar. Respeitar-se-á, desta forma, a vontade deste aluno (“aluna”), mas fere-se a privacidade natural das restantes 99,8% das raparigas, que não se sentirão à vontade neste contexto.

É óbvio que os adolescentes e jovens que vivem a “disforia de género” devem ser respeitados, acolhidos, entendidos, esclarecidos, amados. E com os pais – estes, sim, os seus primeiros educadores – a escola deve encontrar as melhores soluções para a sua plena integração, sem serem necessárias medidas legislativas, administrativas e técnicas que, em muitos casos, colidem com outros entendimentos e atingem a sensibilidade da maioria das pessoas. Neste quadro, a família e a escola devem educar para a diferença, não admitindo que haja qualquer tipo de discriminação e eventuais (e, infelizmente, frequentes) comentários homofóbicos.

Felizmente houve muitas reações da parte de estruturas da Igreja, designadamente das associações das escolas católicas (APEC) e dos médicos e juristas católicos. Mas também da sociedade civil, tal como a Associação Portuguesa de Famílias Numerosas. Do seio escolar, houve uma forte reação conjunta da CONFAP (Confederação Nacional das Associações de Pais), das associações de diretores das escolas públicas e privadas e dos professores de educação física. Felizmente, também houve petições públicas, assinadas por milhares de cidadãos. Tudo isto endereçado ao Presidente da República, pedindo a não promulgação do diploma.

Neste momento, convoco mais uma vez o Professor Doutor Santana Castilho, no tal artigo que referi no início: “A concluir, e porque a lei produziu também doutrina e suscitou apaixonada discussão pública sobre balneários e urinóis, espero que o Presidente da República e o Tribunal Constitucional descarreguem rápido o autoclismo. Para que as crianças possam ser crianças e os pais tenham papel cimeiro no seu processo de crescimento”.

Felizmente, a 29 de janeiro p.p., Marcelo Rebelo de Sousa não promulga o projeto de lei, devolvendo-o ao Parlamento (no fundo, adiando a decisão para a próxima legislatura), devido a algumas lacunas, a mais significativa das quais o pouco envolvimento/ responsabilização dos pais neste (delicado) processo.

Para já, valeram a pena as múltiplas reações. Mas sabemos todos que, tal como no aborto e na eutanásia, mais ano menos ano, perante a inépcia, preguiça e indiferença do povo – mormente dos cristãos – , isto irá ser aprovado, pouco (ou nada) contribuindo para sanar tensões e, sobretudo, acolher quem é diferente. Somente se cumprirão agendas ideológicas que procuram minar as estruturas básicas da sociedade, especialmente a instituição familiar.

Entretanto, fica o acentuado apelo para esclarecermos bem os nossos filhos e netos, reféns, muitas vezes de conversas entre pares, perceções, modas, leituras e vídeos nada educativos e até de programas curriculares e professores nem sempre bem formados nestas matérias de capital importância.

E quando houver petições públicas promovidas por entidades de confiança não hesitemos em as assinar, quer para reagir, quer para agir. É um dever civilizacional e cristão que urge cumprir.

E já agora que falamos em “deveres”, se estas linhas forem lidas por si, caro leitor, até uns minutos antes das 19 horas do próximo dia 10 de março, não deixe de ir votar, caso ainda não o tenha feito. Se está em condições físicas e mentais “normais”, será um pecado mortal engrossar o número (vergonhoso) dos que não exercem o direito cívico (e moral) de votar…

Jorge Cotovio
jfcotovio@gmail.com
Artigo da edição de março de 2024 do Jornal da Família

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