Escrevo este texto no dia em que entramos na primavera e sei que ele chegará a casa dos nossos leitores já depois de celebrada a Páscoa. Estas duas realidades inspiram-me a voltar, de novo, ao compromisso com a construção do futuro.
Em cada primavera vemos como o ciclo da vida se renova e refaz. Apesar de não ser novidade, cada primavera acaba sempre por trazer a novidade da vida. Por isso, apesar de saber que é assim, sempre me deixo entusiasmar pelos campos que se cobrem do novo, mesmo quando os ‘campos’ são muito diminutos como a floreira da minha janela. Também ela se está a cobrir de novos rebentos, atraindo a minha atenção.
Também cada Páscoa é celebração do novo e da novidade, convidando-nos ao espanto pela vida que vence a morte. E na Páscoa sabemos ainda mais, pois não se trata simplesmente de um ciclo natural, que naturalmente se renova, trata-se, isso sim, de um compromisso que o próprio Deus continuamente renova com a humanidade. É verdade que naquela primeira Páscoa vivida por Jesus Cristo, a plenitude da salvação, e por isso mesmo da vida nova, aconteceu de uma vez por todas, para todos. Mas essa realidade é renovada a cada ano, fazendo-nos lembrar e participar como contemporâneos desse acontecimento. Essa é uma das maravilhas da celebração litúrgica. Não só faz memória do belo e pleno acontecido, como faz que esse mesmo belo e pleno possa acontecer em cada aqui e agora em que é celebrado. Em cada Páscoa, de novo, celebramos aquele acontecimento no qual Deus nos disse que a morte não tem a última palavra, fazendo-nos intuir que ela, a morte, apesar de ser um momento incontornável, não é o último, nem o final, pois a vida, aquela que Ele nos oferece e concede, é mais forte e plena.
Foi isso mesmo que, com júbilo, proclamámos na Vigília Pascal:
“Exulte de alegria a multidão dos Anjos, exultem as assembleias celestes, ressoem hinos de glória, para anunciar o triunfo de tão grande Rei. Rejubile também a terra, inundada por tão grande claridade, porque a luz de Cristo, o Rei eterno, dissipa as trevas de todo o mundo. Alegre-se a Igreja, nossa mãe, adornada com os fulgores de tão grande luz, e ressoem neste templo as aclamações do povo de Deus.”
Exultámos de alegria porque celebrámos e fizemos acontecer, no hoje da história, o que naquela noite aconteceu.
“Esta é a noite, em que a coluna de fogo dissipou as trevas do pecado. Esta é a noite, que liberta das trevas do pecado e da corrupção do mundo aqueles que hoje por toda a terra creem em Cristo, noite que os restitui à graça e os reúne na comunhão dos Santos. Esta é a noite, em que Cristo, quebrando as cadeias da morte, Se levanta glorioso do túmulo. […] Esta noite santa afugenta os crimes, lava as culpas; restitui a inocência aos pecadores, dá alegria aos tristes. Oh noite ditosa, em que o céu se une à terra, em que o homem se encontra com Deus!”
E por isso pedimos ao Senhor que o Círio consagrado ao seu nome “arda incessantemente para dissipar as trevas da noite.”
Quando, como humanidade, somos chamados a responder às interpelações e desafios que este momento histórico nos apresenta; quando, como europeus, somos também convocados a tomar decisões em relação ao futuro da Europa; quando, como portugueses, neste ano em que celebramos o cinquentenário do 25 abril, nos devemos interrogar sobre que País queremos construir, não nos podemos esquecer deste recomeço, desta novidade e deste novo que cada Páscoa nos lembra e volta a fazer acontecer.
Este é o tempo oportuno para, como cristãos, nos comprometermos com esta vida nova e renovada, vida que vemos acontecer nos campos e que, sabemos, nos volta a ser dada como dom, por este Deus que tem a causa da dignificação da humanidade como a sua causa.
Juan Ambrosio
juanamb@ucp.pt
Artigo da edição de abril de 2024 do Jornal da Família