Uma ponte de afetos

Durante oito meses o Centro de Cooperação Familiar “O Botãozinho” acolheu cerca de 15 utentes do Centro de Dia da Casa do Alecrim da Associação Alzheimer Portugal. Uma parceria que promoveu uma convivência intergeracional.

O Centro de Cooperação Familiar “O Botãozinho” acolheu, de forma temporária, cerca de 15 utentes do Centro de Dia, uma resposta social do equipamento Casa do Alecrim da Associação Alzheimer Portugal, entre 09 de setembro de 2024 e 09 de maio de 2025. Esta colaboração, que nasceu de uma necessidade concreta, inicialmente pensada como uma solução de curto prazo, revelou-se um notável exemplo de solidariedade institucional, de integração comunitária e de promoção do encontro entre gerações.

A parceria teve origem nas obras de ampliação da Casa do Alecrim, destinadas a reforçar a capacidade de resposta a pessoas com demência. Face à dificuldade em encontrar uma solução alternativa no concelho de Cascais, a comunidade do Botãozinho uniu-se numa decisão unânime, disponibilizando-se a acolher as pessoas com demência e a integrar esta resposta no seu quotidiano.

Inicialmente previa-se que a permanência dos utentes do Centro de Dia da Casa do Alecrim no Botãozinho se limitasse a um período de três meses, entre setembro e novembro de 2024. No entanto, face a sucessivos atrasos nas obras de expansão, o período de acolhimento foi sendo progressivamente alargado. A Direção do Botãozinho acolheu estas extensões com total espírito colaborativo, revelando uma notável capacidade de adaptação, solidariedade institucional e um compromisso inabalável com o bem-estar das pessoas com demência.

Durante os oito meses de parceria, os utentes da Casa do Alecrim partilharam o quotidiano com as crianças do pré-escolar e, pontualmente, com os bebés da creche do Botãozinho. Esta convivência diária deu origem a um conjunto diversificado de atividades intergeracionais, dinamizadas pela equipa do Centro de Dia – carinhosamente apelidada pelas crianças de “Patrulha Verde”, devido à cor do fardamento da Alzheimer Portugal – como sessões de psicomotricidade, teatro, culinária, dança, música e pintura. A própria comunidade escolar promoveu também iniciativas que reforçaram esta ligação. O projeto contou ainda com o envolvimento de entidades externas: a Associação Pedalar Sem Idade proporcionou passeios de trishaw a duplas de crianças e utentes dentro do recinto escolar; a Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras realizou um concerto comentado para todas as gerações; e a Tuna da Escola Superior de Saúde de Alcoitão encheu o espaço de música e alegria. Estas iniciativas enriqueceram profundamente a experiência de todos os participantes, promovendo momentos de bem-estar, partilha e ligação genuína entre idades.

Se, no início, a aproximação foi marcada por alguma timidez, rapidamente deu lugar a gestos espontâneos de afeto e empatia. Ao final do dia, era frequente ver as crianças procurarem carinhosamente os utentes – apelidados de “Avós do Coração” – lançando brinquedos ou sorrisos na tentativa de prolongar o convívio. Em cada gesto, por mais simples que fosse, revelava-se a profundidade do vínculo criado.

Num contexto em que a convivência entre gerações é cada vez mais limitada – seja pela distância física das famílias alargadas ou pela dinâmica centrada na família nuclear – esta experiência revelou-se de inegável valor. Para as crianças, foi uma oportunidade de desenvolver competências emocionais como a empatia, a paciência e o respeito, ao mesmo tempo que ajudou a desconstruir já alguns preconceitos sobre o envelhecimento e doença. Para os utentes, o contacto com os mais novos trouxe alegria, estímulo cognitivo e motor, e um renovado sentimento de pertença e utilidade.

O momento da despedida foi profundamente comovente. Um dos gestos mais simbólicos surgiu de uma criança que pediu aos pais que comprassem palmiers – “doces em forma de coração” – para oferecer aos “Avós do Coração”. Um gesto simples, mas carregado de significado, que espelhou o impacto desta experiência.

Mais do que uma resposta a uma necessidade temporária, esta iniciativa demonstrou como a articulação entre instituições pode gerar impactos positivos duradouros. A experiência validou os benefícios das práticas intergeracionais e reforçou a importância de projetos que promovam o encontro entre diferentes fases da vida.

Esta ponte de afetos merece continuidade e por isso pondera-se o desenvolvimento de futuros projetos que promovam reencontros regulares entre gerações, garantindo a preservação dos laços afetivos construídos.

A Alzheimer Portugal agradece profundamente à direção, a todas as Cooperadoras da Família, à equipa pedagógica, funcionários e famílias do Centro de Cooperação Familiar “O Botãozinho” pela forma generosa, calorosa e incondicional com que acolheram esta parceria. O espírito de comunidade, a abertura ao outro e o cuidado dedicado a cada utente da Casa do Alecrim refletem, de forma exemplar, os valores cristãos que orientam esta instituição. Que este gesto de amor concreto, vivido na simplicidade do dia a dia, seja expressão viva da caridade cristã – aquela que acolhe, cuida e dignifica a vida humana em todas as suas fases.

Graça Maria Fernandes
Artigo da edição de agosto/setembro de 2025 do Jornal da Família

Fotos: D.R.

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