Regresso, de novo, ao tema da esperança. Faço-o porque estou verdadeiramente convencido da sua importância no momento histórico que estamos a viver.
Quando os ritmos de vida começam a entrar nas rotinas de mais um ano de atividades, eis que que as notícias que ouvimos e vemos se encontram carregadas de sinais que nos deixam muito preocupados.
Os sons e as imagens da guerra não só não nos deram tréguas, como parecem terem aumentado. Se a situação era preocupante e pedia a coragem de dar passos reais na direção da paz, o que vemos parece ir exatamente na direção contrária. Todos os dias somos inundados com as imagens daqueles conflitos que, em vez de diminuírem, escalam cada vez mais. E sabemos bem, infelizmente, como muitos outros continuam a desenrolar-se, com todas as suas horríveis consequências, se bem que não tenham espaço e tempo nas notícias.
Também durante uma série de dias pudemos assistir em direto ao desenrolar das tragédias dos incêndios. Imagens que, apesar de não serem uma novidade, não deixam nunca de nos impressionar e nos suscitam perguntas, que também elas não são novas.
A este propósito não posso deixar de me interrogar sobre a maneira como estes e outros assuntos foram e continuam a ser abordados e tratados. Não tenho a menor dúvida acerca da necessidade e importância da sua divulgação, mas tenho muitas dúvidas acerca da sua presença massiva e quase total, bem como da perspetiva com que elas são abordadas. Sinceramente, às vezes penso que a maneira tão extensiva e ostensiva como são acompanhados estes acontecimentos não se deve somente à necessidade de informar, mas sim a uma outra relacionada com a necessidade de encher tanto tempo e tanto espaço chamado noticioso.
Estes acontecimentos, pela sua grandeza e amplitude podem tender a paralisar-nos e anestesiar-nos. Face a eles o que é que podemos fazer? O que depende de nós? A resposta parece simples e inevitável: Não podemos nada, não depende nada. É óbvio que as respostas exigidas vão muito para além das capacidades de intervenção direta da maior parte das pessoas, mas há coisas que podemos fazer e não podemos mesmo deixar de fazer, mesmo que pequenas e mesmo que a um nível micro. Não contentar-nos com a injustiça, seja a que nível for; não pactuar com as dinâmicas de morte, tenham elas as formas que tiverem; promover sempre a vida e a sua dignificação, em todas as situações em que nos movimentamos, são atitudes e comportamentos que podem ir gerando novos estilos de vida. E se assim for com a maioria das pessoas, então as coisas podem mudar, então talvez possamos perceber que cada um pode importar e ser verdadeiramente fundamental para a mudança que todos devemos procurar.
É precisamente a este nível que a esperança pode surgir como horizonte de novas possibilidades. Claro que se trata de uma esperança que sabe o que espera e por isso tudo faz para o fazer acontecer. Se temos esperança num mundo melhor, mais fraterno, mais justo, mais solidário, mais pacífico, onde todos, com as suas diferenças, possam viver, então teremos um foco à volta do qual nos podemos unir e com o qual nos podemos comprometer, então teremos uma direção na qual caminhar, teremos objetivos que nos podem congregar e para os quais podem convergir diversas sensibilidades e competências.
Claro que nem todos vão aderir e nem todos estarão disponíveis. Claro que alguns, porventura muitos, procurarão boicotar. Mas estes, mesmo sendo muitos e muito poderosos, não são a maioria. Nessa linha não tenho dúvidas de que a maioria das pessoas quer o bem da maioria das pessoas e está disponível para o promover dos mais diversos modos que estiverem ao seu alcance.
Para muitos isto pode parecer uma utopia. Seja! Pessoalmente não tenho medo das utopias, julgo mesmo que precisamos delas. O que tenho medo é das distopias, ou seja, de tudo aquilo que nos impede de nos unirmos em torno de ideais e objetivos grandes, que sejam maiores do que cada um e mesmo do que a soma de todos, objetivos capazes de unir a humanidade e de convocar a esperança.
E para aqueles que somos crentes, o Jubileu da Esperança é também desafio, como se afirma no nº 25 da Bula de Proclamação, para que o nosso modo de viver seja “fermento de esperança genuína no mundo, anúncio de novos céus e nova terra (cf. 2 Ped 3, 13), onde habite a justiça e a harmonia entre os povos, visando a realização da promessa do Senhor.”
Juan Ambrosio
juanamb@ucp.pt
Artigo da edição de outubro de 2024 do Jornal da Família
Imagem ilustrativa: Pixabay