Na idade em que estou – a meio da década dos oitenta – estou atento às notícias do falecimento de amigos com idades aproximadas. Tive relações variadas nas atividades que desenvolvi e situações por que passei que envolviam, para além das nossas diferenças, a proximidade de idades e algumas experiências comuns ou complementares que agora inevitavelmente evocamos.
O falecimento do Pe. Jardim Gonçalves, com 92 anos, evocou a experiência do meu encontro com ele que começou quando, com 23 anos, participei no encontro com os assistentes nacionais dos organismos operários da Ação Católica. Ele era o assistente nacional da LOC feminina; eu era novato assistente dos organismos operários em Trancoso, vila rural que tinha como únicas atividades económicas, além das agrárias, o comércio e o artesanato. Um coadjutor que me antecedeu, originário do concelho da Covilhã, introduzira lá os organismos operários da Ação Católica. Afastado por um acidente que o fragilizou, sucedi-lhe eu numa experiência que me marcou para o resto da vida. Para isso contribuiu o meu encontro com o Pe. Jardim que me envolveu imediatamente e me confiou a tarefa de orientar um retiro para a equipa dirigente nacional da LOC feminina de que ele era dirigente. Continuou a acompanhar-me com propostas cuja concretização não dependia apenas de mim e por isso não se concretizaram. Foi, porém, definitiva na minha orientação para o trabalho pastoral com o sector operário. Era perigoso pelas conotações que envolvia perante o regime político vigente e, consequentemente, pelas suspeitas das próprias autoridades religiosas. Guardo do meu trabalho com a JOC boas recordações e reconheço que ele marcou o resto da minha vida e os valores fundamentais pelos quais pontuei a minha ação.
Se evoco esta experiência mais detalhadamente pelos seus reflexos em todo o resto da minha vida posterior, não me dispensa de mencionar as evocações que a notícia dos amigos que vão deixando esta vida me despertam. O falecimento de cada amigo próximo evoca em mim a experiência do meu convívio com ele, das circunstâncias em que se realizou e do seu reflexo na orientação da minha vida posterior.
A vida é relação com os outros. Essa relação deixa marcas em nós próprios. Sinto-me devedor daquilo que recebi dos outros. Reciprocamente, aqueles com quem contactei foram afetados pela relação comigo. Eu posso ter sintomas de que a minha relação foi apenas passageira e provocou a recusa ou aceitação duradoura. Neste caso ela mantém-se viva numa amizade que continua a afetar positivamente as nossas vidas.
As nossas vidas não decorrem apenas em linhas paralelas elas são interativas. Somos devedores e simultaneamente contribuintes uns para com os outros e com a sociedade em que vivemos. Isso torna-se evidente na relação básica de pessoa a pessoa numa amizade, na família, a unidade básica da sociedade. Seria importante que atingisse a dimensão política do cidadão.
Octávio Morgadinho
Artigo da edição de fevereiro de 2025 do Jornal da Família
Foto: Patriarcado de Lisboa