Donald Trump venceu as últimas eleições americanas com a promessa de reforçar a grandeza da América. Já não era um desconhecido. Pela sua primeira passagem na Casa Branca tinha demonstrado que considerava a Presidência dos Estados Unidos exercício de um poder pessoal discricionário privilegiando os seus interesses e os dos mais ricos. Empresário de sucesso, propunha transplantar para a presidência os mesmos critérios que o tornaram poderoso no mundo dos negócios nem sempre sérios. E aí está ele a propor soluções para os problemas da América e do mundo subordinadas ao poder económico, a sua simpatia por políticas de extrema-direita. Não deixa de ser sintomático que o Chega tenha sido o partido português convidado para a assistir à sua tomada de posse. Recrutou os seus colaboradores entre os empresários de sucesso e está a propor barreiras físicas e económicas que isolem a América de qualquer influência do exterior: o muro na fronteira com o México para fechar a entrada dos imigrantes, as taxas alfandegárias para o comércio com o exterior.
As primeiras decisões legislativas de Trump foram de facto a implementação de taxas ao comércio exterior e a deportação forçada dos imigrantes ilegais.
Trump confunde a justiça com o poder do mais forte, nas suas decisões políticas, quer se refiram às questões internas do seu país quer às relações internacionais. Sendo o Presidente do país mais poderoso do mundo, considera que pode impor ao mundo a sua vontade e impor sanções para quem não lhe obedece, mesmo que sejam os jornalistas que continuam a designar o Golfo do México pelo nome que sempre teve, para os forçar a usar a designação de Golfo da América que ele quer impor.
O mundo do Papa Francisco e de toda a doutrina social da Igreja é o da dignidade inviolável da pessoa humana, de todo o homem e mulher quem quer que seja, o dos direitos humanos. É na ética e moral que assentam os valores humanos base de todas as relações interpessoais, das instituições humanas e das suas relações, quer elas se situem dentro ou fora da mesma comunidade. Foi com base nesses princípios que se estabeleceram as Nações Unidas e as diversas instituições de cooperação internacional e solidariedade como a FAO, a Organização Mundial de Saúde e a Unesco.
Uma das primeiras medidas tomada por Trump foi executar “a maior operação de deportação da história dos Estados Unidos”. A resposta da Conferência dos Bispos Católicos foi imediata numa declaração pública do seu porta-voz: “O ensinamento fundamental da Igreja Católica chama-nos a defender a sacralidade da vida humana e a dignidade da pessoa humana dada por Deus. Isto significa que o cuidado com os imigrantes, os refugiados e os pobres faz parte do mesmo ensinamento da Igreja que exige que protejamos os mais vulneráveis entre nós, especialmente os nascituros, os idosos e os doentes”.
O Papa não podia estar de acordo com Trump e manifestou-o claramente numa carta que dirigiu aos Bispos dos Estados Unidos. Nela, o Papa Francisco manifesta que tem estado atento à execução do programa de deportação em massa dos estrangeiros ilegais nos Estados Unidos. “Uma consciência bem formada não pode deixar de fazer um juízo crítico e exprimir o seu desagrado com uma medida que explicitamente identifica o estatuto ilegal de alguns migrantes com criminalidade. Ao mesmo tempo devemos reconhecer o direito duma nação de se defender a si própria e manter as comunidades seguras daqueles que cometeram crimes violentos e sérios no país ou antes da sua entrada. O ato de deportar pessoas que em muitos casos deixaram a sua própria terra por razões de extrema pobreza, insegurança, perseguição ou deterioração do ambiente, prejudica a dignidade de muitos homens e mulheres e das suas famílias, e coloca-os em estado de particular vulnerabilidade e indefesos. […] O verdadeiro bem comum é promovido quando sociedade e governo com criatividade e respeito pelos direitos de todos, aceita, protege, promove e integra os mais frágeis, desprotegidos e vulneráveis. Isto não impede uma política que regula uma política legal e ordenada. O desenvolvimento não se deve fazer através do privilégio de uns e o sacrifício de outros. O que é feito na base da força e não da verdade sobre a dignidade igual de cada ser humano começa mal e terminará mal.”
A resposta de Trump foi evasiva no género de “Não se meta na minha vida… Tem muito que se preocupar com a sua Igreja…” Mais uma manifestação do abismo que os separa: Do lado de Trump, uma política sem valores, baseada no poder do mais forte. Concretamente: no poder da América e na América do poder dos interesses dos mais ricos. Do lado do Papa, a defesa da dignidade da pessoa humana, de todo o ser humano, duma política que pratique a justiça baseada nesse axioma básico.
Octávio Morgadinho
Artigo da edição de março de 2025 do Jornal da Família
Foto: Monumento aos Migrantes e Refugiados – Praça de S. Pedro, Roma
Jornal da Família/IM