Democracia, um valor inestimável
Com a falência do regime soviético criou-se, nalguns círculos, a convicção que a democracia tenderia a generalizar-se em cumprimento, afinal, dos objetivos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas:
“Manter a paz e a segurança internacionais; desenvolver relações de amizade entre as nações, baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e autodeterminação dos povos; cooperar na resolução dos problemas internacionais económicos, sociais, culturais ou humanitários, no respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais”.
O empenhamento dos cristãos na construção de sociedades democráticas, para além de um dever de cidadania, é, também, uma forma de dar cumprimento às orientações da Igreja, plasmadas, entre outras fontes, no Compêndio da Doutrina Social da Igreja:
“O Magistério reconhece a validade do princípio concernente à divisão dos poderes num Estado: «(…) é preferível que cada poder seja equilibrado por outros poderes e outras esferas de competência que o mantenham no seu justo limite. Este é o princípio do “Estado de direito”, no qual é soberana a lei, e não a vontade arbitrária dos homens».
No sistema democrático, a autoridade política é responsável diante do povo. Os organismos representativos devem estar submetidos a um efetivo controlo por parte do corpo social. Este controlo é possível antes de tudo através de eleições livres, que permitem a escolha assim como a substituição dos representantes. A obrigação, por parte dos eleitos, de prestar contas acerca da sua atuação, garantida pelo respeito dos prazos do mandato eleitoral, é elemento constitutivo da representação democrática”.
- Tempos sombrios
Vivemos, atualmente, uma enorme degradação institucional, porquanto a Putin e a Xi Jinping, junta-se o errático – isto para dizer o mínimo – Donald Trump.
Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, no livro Como Morrem as Democracias, apresentam quatro indicadores-chave do comportamento autoritário:
- Não cumprimento das regras democráticas;
- Negação da legitimidade dos adversários políticos;
- Encorajamento da violência;
- Prontidão para restringir as liberdades cívicas dos adversários, incluindo os meios de comunicação.
Do exposto fica claro que não existe o chamado “fim da história” – supostamente a Democracia Liberal – e, também, que não sabemos tirar lições da história.
São já muitos aqueles que estabelecem comparações entre os desvarios da atualidade e os acontecimentos dos sinistros anos 30 do século passado. Obviamente que os tempos são diferentes, contudo, hoje como ontem, prolifera o autoritarismo, o protecionismo, a xenofobia, entre outros indicadores.
- Ousar ter Esperança
Faz agora 10 anos que José Tolentino de Mendonça (J.T.M.) publicou o seu livro Esperar contra toda a esperança.
Como são atuais as suas considerações, numa altura em que, na cena internacional, como já dissemos, avultam os autocratas.
“O elogio possível é o de uma esperança que não ignore o enigma e o absurdo de múltiplas situações da história, e por isso não se pretende triunfalista ou autorreferencial. O elogio possível é o da esperança humilde, silenciosa, amadurecida, depurada. (…). Uma esperança que tenha a forma daquele «esperar contra toda a esperança» (Rm 4, 18) de que nos fala o apóstolo Paulo.”
O nosso querido Papa Francisco, no seu livro A Esperança nunca desilude, distingue a diferença entre otimismo, cujos resultados são sempre contingentes, e esperança.
“A esperança é a certeza de que avançaremos. É esperar por algo que já está dado, não por algo que queremos que aconteça. É um dom de Deus, é essa virtude que trazemos no coração e que, enraizada na sua promessa, não nos faz perder o rumo. Gosto da imagem da corda: lançamos a âncora na margem e a esperança é como essa corda à qual nos agarramos para lá chegar”.
Furtado Fernandes
j.furtado.fernandes@sapo.pt
Artigo da edição de junho 2025 do Jornal da Família