Afinal todos queremos ser felizes!
Contudo, o sentido desta palavra é, muitas vezes, deturpado, como acontece com outros vocábulos, são exemplos disso o amor e a democracia.
De facto, é impossível amar sem sermos dom para os outros, como também é impossível reclamar democracia sem um escrupuloso respeito pelos direitos, liberdades e garantias. As autoproclamadas democracias iliberais não passam de uma falácia para escamotear as autocracias que são a sua verdadeira natureza.
Na senda da felicidade importa que não sejamos contaminados pela obsessiva acumulação de bens. Se assim for já não são as pessoas a possuir os bens, mas, ao invés, são estes que as possuem.
Mais uma vez, também a este respeito, convém lembrar um dos princípios da Doutrina Social da Igreja, o destino universal dos bens.
Deus destinou a terra e tudo o que ela contém para uso de todas as pessoas e de todos os povos, de modo que os bens criados devam chegar equitativamente às mãos de todos, segundo a regra da justiça, inseparável da caridade. Todas as pessoas devem ter a possibilidade de usufruir do bem-estar necessário para o seu pleno desenvolvimento.
A opção preferencial pelos pobres é incompatível com o busca insaciável da riqueza ou com o uso egoísta da mesma.
A felicidade está na realização de um projeto que, sendo orientado para a prática do bem, gera uma satisfação que perdura para além das vicissitudes do tempo.
Se assim não for o mundo torna-se unidimensional e passa a girar apenas à volta de si próprio, pois parece não ter ligação com a transcendência. Daí resulta uma sensação de absurdo, de alienação, de medo e de apatia (Ver George Augustin, Eu Sou uma Missão, Testemunho Cristão da Vida).
Vejamos mais detalhadamente cada um destes tópicos:
- Sensação de absurdo: quando as pessoas não encontram um sentido superior para as suas vidas que as resgate das contingências do quotidiano;
- Alienação: quando não vislumbram esse propósito, a consequência é ficarem alheadas daquilo que é verdadeiramente gratificante – o que perdura ao longo do ciclo de vida;
- Medo: a alienação provoca insegurança e perda de autoestima. Neste caso, surge a tentação de compensar essa fragilidade com a agressividade e a arrogância;
- Apatia: manietadas pela alienação e pelo medo, há uma quebra de energia, surge a desmotivação e o desinteresse, as pessoas percebem que estão condenadas à precariedade. Tudo se afigura volátil, exposto, portanto, à voracidade do tempo.
Jesus, na catequese das Bem Aventuranças, indica-nos um roteiro para a felicidade. O sacerdote jesuíta James Martin, no seu livro Jesus, Um Encontro Passo a Passo, identifica alguns marcos que sinalizam esse caminho: humildade, misericórdia, amabilidade, paz, justiça.
Reconhecidamente a primeira condição para sermos felizes é superarmos o egocentrismo para acolhermos os outros.
“Há tantas pessoas que passam pela nossa vida… É importante que na hospitalidade, no serviço e no dom sintam que não foi em vão que passaram por nós.
O sujeito aspira a uma dimensão simbólica, metafórica, que diga aquilo que radica no fundo como sua verdade e nenhum simples nome é capaz de dizer.
Nós só perdemos aquilo que não damos.
Por alguma razão, esse raro mestre de humanidade chamado Jesus disse: «Se alguém te pede para o acompanhares durante uma milha, anda com ele duas» (Mateus 5:41) (José Tolentino de Mendonça, Uma Beleza Que Nos Pertence).
Furtado Fernandes
j.furtado.fernandes@sapo.pt
Artigo da edição de dezembro de 2024 do Jornal da Família
Imagem ilustrativa: Pixabay