(VII) Padre Alves Brás – Cem anos de Sacerdócio em prol da Família

Foi um homem à frente do seu tempo. Hoje diríamos que se dedicou aos “descartados” da sociedade. Foi do contacto com a problemática social das “criadas de servir” que o Pe. Alves Brás desenvolveu uma vasta Obra de apoio à família. Frei Filipe Rodrigues foi às raízes da sua ação para nos falar do “ver”, do “julgar” e do “agir” do Pe. Alves Brás, no Portugal dos anos 30 do passado século.

O “ver”, o “julgar” e o “agir” do Pe. Brás para com os “descartados” da sociedade

Foi um homem à frente do seu tempo. Hoje diríamos que se dedicou aos “descartados” da sociedade. Foi do contacto com a problemática social das “criadas de servir” que o Pe. Alves Brás desenvolveu uma vasta Obra de apoio à família. Frei Filipe Rodrigues foi às raízes da sua ação para nos falar do “ver”, do “julgar” e do “agir” do Pe. Alves Brás, no Portugal dos anos 30 do passado século.

Começo por uma ideia retirada do livro “Homem de Deus para a Humanidade”, que aliás vai orientar esta minha reflexão, sobre a visão do Pe. Alves Brás, muito à frente do seu tempo. O Pe. Brás, mesmo antes do Concílio, sem o saber, mas sendo talvez já profeta por palavras e obras, vivia já as grandes intuições do Concílio. Quando morre, a 13 de março de 1966, está totalmente envolvido nos textos e desafios que o Concílio coloca. Ao contrário de tantos outros católicos que viam o Concílio como um atentado às tradições da Igreja, o Pe. Brás viveu os anos do Concílio com grande entusiasmo, como é próprio dos homens que amam a Igreja e, por isso, querem o seu bem.

Dizer, portanto, que o Pe. Brás ia muito à frente do seu tempo, também diz respeito às questões da Família, sobretudo na sua santificação e como agentes de mudança da Igreja e do mundo. Aliás, se há um motor na vida do Pe. Brás é exatamente o da santificação das almas. É o seu propósito como homem, como padre, como fundador. A sua entrega à igreja, entrega de amor, é para que a sua vida seja uma ajuda à santificação das almas. Impressiona ver as listas de retiros e tríduos que pregou, viagens que fez… tudo para a salvação das almas.

Antes, porém, de falarmos da importância da Família na Obra do Pe. Brás (ficará para o artigo do próximo mês), gostaria ainda de abordar um ponto prévio: Se o Pe. Brás é grande, no sentido de grandeza eclesial e espiritual, é para mim por uma simples questão: o mundo não lhe era indiferente. Às vezes achamos que sermos pessoas espirituais ou pessoas de Igreja significa sermos pessoas devotas, que cumprem as suas obrigações morais e cristãs. Não é o que vemos na vida do Pe. Brás, nem é o que ele nos transmite no seu legado. É impressionante o modo como ele chega às criadas de servir… Um padre de seminário – diretor espiritual – às tantas começa a trabalhar numa causa social tão importante naquele tempo. Então, para mim, o grande desafio que o Pe. Brás me lança é o de ver o mundo com os olhos de Deus. Não passarmos pelas situações que reclamam justiça, obras, como o sacerdote ou o levita da parábola do bom samaritano, mas sermos bons samaritanos uns para os outros (reparem que na parábola do bom samaritano encontramos os três verbos indispensáveis para a vida familiar: aproximar-se, curar, cuidar).

O Pe. Brás, sempre incansável e sem tempo a perder, ao contrário de outros colegas, dedica o seu dia de folga semanal para ir ao hospital da Guarda visitar os doentes. E o que o impressiona não são as terríveis doenças, os gesos

, as amputações, as ligaduras, as dores… o que o impressiona são as situações dramáticas que viviam as criadas de servir que estavam no hospital não por acidentes de trabalho, mas por maternidades sem que os pais reconhecessem os filhos que tinham feito. Muitas destas raparigas eram adolescentes, sem amparo nem proteção (imaginemos o estigma social que seria há 100 anos ser mãe solteira e criada de servir!). E juntamente com estas mães solteiras estavam outras raparigas, prostitutas, que tinham de fazer tratamentos regulares no hospital.  Imaginemos… um padre de seminário, diretor espiritual, a envolver-se nestas “periferias existenciais”, como agora lhes chamamos. O contacto com esta realidade leva o Pe. Brás a pôr em ação o princípio que ele tinha aprendido no Seminário, princípio ainda hoje atual, que vem da Ação Católica: ver, julgar e agir. Ver a realidade requer sensibilidade, julgar a realidade não só nos critérios humanos, mas sobretudo com os critérios de Deus, agir para transformar o que vemos de mal.

Para termos uma ideia concreta da situação de há cem anos, em 1930, diz-nos o livro “Homem de Deus para a Humanidade”: Nos anos 30, à maternidade da Guarda acorriam anualmente umas 30 a 40 raparigas e em 1931, a classe das criadas dava a percentagem de 85% de inscrições na prostituição. Em 1957, só em Lisboa, foram pelo menos 450 crianças nascidas de criadas solteiras e algumas centenas de criadas que fizeram tratamento por causa de aborto.

É claro que, para o Pe. Brás, há um problema por detrás disto tudo, e aqui entra o “julgar”. Porque é que isto acontece? Porque é que as criadas engravidam e os pais não reconhecem os filhos? Há uma explicação: é que, a criada – que era como que uma filha adotiva da família, criada com a família – aos poucos foi-se transformando em empregada doméstica. Aquela que entrava na casa e que era acarinhada por todos, agora passa a ser uma prestadora de serviços, sem grandes direitos, mas com muitos deveres. E começa-se a perceber onde as coisas começaram a falhar: na família. E onde é que temos de agir? Na família.

Nós hoje, na linguagem da Igreja usamos a expressão dos descartados, a sociedade do descarte, a cultura do descarte. E o Papa Francisco está constantemente a pedir-nos que não entremos neste tipo de cultura, mas que a travemos com a fraternidade humana e com a misericórdia de Deus. Mas há 100 anos, numa pequena cidade de Portugal, um homem, padre, preocupava-se com as descartadas da Guarda e depois de todo o país: as criadas de servir.

Frei Filipe Rodrigues
Assistente Espiritual do MLC – Movimento por um Lar Cristão

Artigo da edição de fevereiro de 2025 do Jornal da Família
(O conteúdo deste artigo integrou uma formação desenvolvida para o MLC)

Foto: Arquivo ISCF

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