Andava eu a matutar sobre o que devia escrever acerca de Francisco, quando surge o fumo branco da chaminé da Capela Sistina. O “Frei Francisco” dá lugar ao seu fiel amigo, “Frei Leão”. Mesmo que não tenha sido esta a intenção, deixem-me fazer esta associação, pois encaixa muitíssimo bem… Ademais, o segundo nome de Robert Prevost é mesmo “Francis” (Francisco). Curiosa esta coincidência, não é?
Deixem-me também dizer que me encanta ter um papa com uma forte formação matemática. Que bom! Nem calculam como a matemática me ajudou a ser a pessoa que sou! Como me auxiliou a ver, a sentir e a viver a vida de uma forma “especial”. É verdade! E como a Matemática casa (muito) bem com a Filosofia – outra formação de base do jovem Robert, adquirida antes de entrar para o Seminário – temos um teólogo “perfeito”, ou melhor, temos um Papa “que promete”!
Bem, mas… o que eu queria mesmo era escrever sobre o Papa Francisco e não, ainda, sobre o Papa Leão… Porém, o entusiasmo pelo novo pontífice trocou-me as voltas…
Voltemos a Francisco. Estava eu a pensar escrever que ele nos deixa um legado pessoal, literário, catequético, pedagógico, doutrinal, simplesmente extraordinário, rompendo com tradições sem nexo, protocolos rígidos e caducos, cerimónias pomposas, linguagens herméticas, rotinas, hábitos e rituais “a cheirar a mofo” (e que só afastam em vez de aproximar), que tinha virtudes e competências invulgares, como a proximidade, a humildade, a simplicidade, o bom-humor, o amor particular pelos mais fracos, etc., etc., quando, inesperadamente, me cai uma carta vinda das alturas, que dizia assim:
«Como calculam, tudo aqui é novo para mim. Bem, tudo, tudo, não, mas tudo isto é incalculavelmente melhor do que eu poderia supor. As Escrituras tinham toda a razão…
Desde que cheguei, depois de uma atribulada, mas entusiasmante, presença terrena, tenho andado continuamente ao colo do Pai. Se já tinha sentido, profundamente, este Amor, agora sinto-o de uma forma sublime, indescritível, simplesmente “extra-ordinária”. Que bom! Que BOM!
Também como calculam, estes tempos iniciais num ambiente celestial que só existia no meu “imaginário” são tão ricos que não me deram tempo suficiente para olhar “lá para baixo”… Neste bulício encantador, acreditem que só agora arranjei (algum) tempito para me sentar e escrever. E olhar.
Fico surpreendido pelo impacto que a minha “morte” parece ter causado. Não entendo como é que um papa vindo do “fim do mundo” possa ter provocado tantas reações de todo o lado. Sinceramente, nunca pensei merecer palavras tão elogiosas dos “poderosos” do mundo. Dos simples, confesso-vos que até compreendo, mas dos que se acham “donos disto tudo”, francamente não, recordando eu muitas das denúncias e críticas que lhes fiz…
Quem me conhecia verdadeiramente, sabe bem que eu tentei ser autêntico, um papa sem papas na língua, sofrendo muitas vezes as consequências desta atitude, sobretudo vindas da parte de alguns dos mais próximos. Mas não tinha medo, pois estes impulsos vinham de dentro, eram inspirações do Espírito. Sim, creiam que “o Espírito de Deus repousa em mim” desde que me conheço. Como repousa em cada um dos meus oito mil milhões de irmãos que vivem na terra.
E com a ajuda de Deus, somada às orações diárias de milhões de crentes, procurei ser humilde e estar, prioritariamente, próximo dos simples e dos mais débeis. Tal como Jesus. Tal como Francisco de Assis e tantos e tantos outros franciscos – conhecidos e desconhecidos – que por aí abundam, a maioria dos quais na mais discreta atuação. Como veem, não inventei nada, não fui o único, nem foi preciso aplicar elaborados conceitos teológicos que aprendi ao longo da minha vida. Bastaram a oração, a Palavra de Deus, a vivência dos Sacramentos. Tudo coisas simples, ao alcance dos mais simples. E quando se vivem estas coisas, o resto vem por acréscimo. Sim, o tal Espírito nos impulsionará a fazer o resto…
Reconheço que Deus se serviu de mim para encetar “reformas” na Igreja, com repercussões na sociedade (pois o objetivo da Igreja é levar a “salvação” a toda a humanidade, e não só aos cristãos…). Não as promovi nem sozinho, nem a meu bel-prazer. Elas foram pensadas em grupo, em comunhão, em oração, em espírito sinodal. Não são mudanças estáticas, mas dinâmicas, que procuram atender aos sinais dos tempos que o mundo e o Espírito nos vão dando. É mais uma forma do que conteúdos. É mais um estilo do que normas. É imergir novamente nos inícios, na radicalidade do Evangelho, nos primeiros tempos da Igreja. Creio que nem pode ser de outra maneira. A “sinodalidade” é uma marca indelével, imparável, irreversível. Oxalá ela mereça de todos, sobretudo dos meus colegas de sacerdócio ministerial, “autenticidade”. Oxalá não a preguem e depois pouco a pratiquem (e pouco a deixem praticar). Lembrem-se do que eu disse em Lisboa: “Todos, todos, todos”!
Bem, apesar de ter “todo o tempo (chronos) do mundo”, apetece-me terminar, pois quero continuar a fruir estes tempos (Kairós) – ademais eternos – simplesmente maravilhosos, inenarráveis, que vivo. E cá vos espero, mais dia, menos dia…
É verdade, só mais uma coisinha: não rezem mais por mim. Eu já estou BEM. Rezem antes comigo ao Pai pelo mundo, pelos que sofrem. E contem com as minhas orações, ou seja, com a minha intercessão junto de Deus – um Pai que me tem continuamente ao colo, para eu me sentir plenamente FELIZ e vos ajudar a serem felizes.
O sempre vosso,

Como imaginam, fiquei sem palavras. E não escrevi mais nada. Apenas lhe disse “OBRIGADO”!
Jorge Cotovio
jfcotovio@gmail.com
Artigo da edição de junho de 2025 do Jornal da Família





